segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

OS  DIFERENTES  NÍVEIS  DE  ALMA  DE  ACORDO  COM  A  CABALA

   Olá a todos! Nesse post vou falar um pouco sobre o conceito cabalístico de "níveis de alma" e consequentemente de diferentes "universos de manifestação".
   Para os que estão começando a adentrar nos assuntos cabalísticos entender essa terminologia e significado desses conceitos pode ser complicado, não é o tipo de coisa que se encontra facilmente outros objetos para fazer analogia que serve de exemplo facilmente compreendido, não há muitos conceitos equivalentes com os quais a maioria está acostumado, são descrições típicas da cabala. Mas uma boa introdução que eu recomendo pode ser encontrada no meu livro "O Conhecimento da Cabala" link á direita do blog.
   De acordo com a cabala, o universo não é composto apenas desse plano tridimensional/material em que vivemos, na verdade esse é o plano mais grosseiro, limitado e o último a ser criado. Outros planos são mais amplos, mas, Deus (no sentido mais abrangente, não apenas no sentido antropomorfo de velhinho barbudo ditador cósmico que povoa o imaginário popular) é capaz de se manifestar em todos esses universos, o ser humano em seu estado comum é que não é capaz de ter esse contato direto com a manifestação divina, por isso, em suas manifestações em nosso mundo físico ele costuma se apresentar através de "véus", que são filtros. Devido a esses "filtros" nossa visão dele é deturpada, vemos apenas uma fração distorcida do todo. Um exemplo disso é a manifestação da "sarça ardente" para Moisés sobre o qual falei no post anterior intitulado "MOISÉS, O  GRANDE  INICIADO". Em um sentido mais profundo, essa imagem é apenas uma metáfora, um objeto anormal usado para mostrar o quanto Deus se diferencia de nossos conceitos mundanos e limitados. Os universos de manifestação de acordo com a cabala são quatro: assiah (a séfira malkut pertence a esse plano) yetsirá (as séfiras gevurá, chessed, tiferet, hod, yessod e netsach pertencem a esse plano) briá (a séfira biná pertence a esse plano) e atzilut (as séfiras keter e chocmá pertencem a esse plano). Assim como as séfiras da árvore da vida pertencem a diferentes planos de manifestação, também as almas das pessoas atingem diferentes níveis de evolução. Uma ilustração mostrando a que universo de manifestação pertence cada séfira na árvore da vida:


   Veja essa explicação dada em forma de nota do editor no livro "Meditação e Cabalá":

   "(...) alguns cabalistas ensinam que a alma não é despertada de forma uniforme ou completa no corpo físico; quando a criança nasce, juntamente com o primeiro sopro desperta-se a Néfesh, a parte mais primitiva da alma, que permite ao indivíduo a força de Guf (corpo físico); com aproximadamente 13 anos manifesta-se a Rúach, a parte da alma responsável pelo intelecto e pela capacidade de argumentação; entre os 28 e 36 anos, o ser acorda a Neshamá, a compreensão interna do lado espiritual, que permite o alcance de níveis mais altos de conexão com o Divino. As duas mais altas partes da alma, Chaiá e Iechidá, são concedidas aqueles que já estão em um nível espiritual muito alto ou próximos da morte. Mas, nem sempre é assim. Alguns indivíduos despertam as três primeiras camadas da alma logo na infância; outros, passam a vida toda só com as duas primeiras -são os intelectuais ateus, que não conseguem crer em Deus simplesmente porque não conseguem alcançar a compreensão de nada além da matéria. E, ainda que isto represente algo não natural, existem poucos privilegiados, com missão bem definida, o que faz com que recebam o despertar das cinco partes da alma logo na passagem da adolescência para a fase adulta. Entre esses, posso indicar Isaac Luria, Moshe Luzatto, Arieh Kaplan e outros, que vão 'embora' cedo pois completaram suas tarefas em tempo recorde!"

   Resumidamente, a "alma primordial" chama-se "néfesh", é a alma em seu estado mais simples ligada a impulsos instintivos, a essa categoria pertencem as almas dos animais, dos bebês humanos, das entidades forma-pensamento e dos golems criados pelos grandes adeptos. "rúach" é o próximo nível quando a alma desenvolve a capacidade de compreender de modo lógico vários assuntos. O próximo nível é "neshamá" quando a alma desperta a capacidade de sondar os assuntos espirituais de modo maduro, esse nível é alcançado geralmente na idade adulta. "Chaiá" é um nível acima alcançada por volta dos 40 anos. O nível mais elevado alcançado pela alma é chamado "iechidá" quando a alma já tem capacidade de penetrar os grandes mistérios divinos e do universo, nesse nível ela já está apta a ter um contato direto com o divino, sem filtros. Esse nível geralmente só se alcança na velhice. O editor citou nomes de grandes santos que faleceram jovens por já terem cumprido suas missões e alcançado os níveis elevados de alma rapidamente. O nível mais elevado é o que foi alcançado pelos grandes iluminados do passado como o patriarca Enoch, o profeta Elias e El Khidr patrono da ordem muçulmana sufi, todos esses citados transcenderam o nível mundano da existência através da ascensão espiritual e tornaram-se imortais ainda hoje lembrados ( e mantendo contato) pelos adeptos de alto nível de todas as ordens iniciáticas e tradições esotéricas.  

sábado, 1 de dezembro de 2018

MOISÉS, O  GRANDE  INICIADO

   Olá pessoal! Nesse post vou falar de forma compactada sobre a vida de um dos personagens que mais marcaram a história da humanidade e que é considerado o grande legislador (e profeta) dos judeus, além de ser considerados pelos adeptos como um eminente cabalista: Moisés.
   O primeiro desafio a ser encarado pelos que tentam rastrear a história de Moisés é tentar estabelecer em que época ele teria vivido. Segundo alguns pesquisadores, o faraó que reinava no Egito quando Moisés guiou o povo hebreu para a "terra prometida" Canaã seria Ramsés II que nasceu em 1303 a.C. e reinou de 1279 a. C. a 1213 a. C. Então o faraó responsável pela política de perseguição aos hebreus mandando matar os filhos deles recém nascidos e deixando os filhos do sexo feminino vivos teria sido Seti I. As melhores fontes para tentar rastrear as origens de Moisés são a Bíblia e o Alcorão, e, tentarei deixar registrado aqui para os leitores os capítulos e versículos desses livros de onde tiro as citações.
   Segundo a Bíblia, Moisés era oriundo da família de Levi (que veio a se tornar a casta sacerdotal judaica) e quando a perseguição aos meninos hebreus foi promulgada ele mandou colocar seu filho em um cesto de junco e jogá-lo no rio (o Nilo, embora seu nome não seja citado na Bíblia), então a filha do faraó viu o cesto com o menino quando se banhava no rio e tomou-o para si adotando-o, a irmã de Moisés Mirian que acompanhou a trajetória do cesto recomendou a filha do faraó que contratasse uma mulher dos hebreus para amamentá-lo, e assim a própria mãe de Moisés se tornou sua ama-de-leite. O nome "Moisés" significa "tirado das águas". Essa narrativa se encontra no livro de Êxodo cap. 2. Já o Alcorão diz que a mulher que adotou moisés era esposa do faraó, mas, era costume tanto da Pérsia quanto do antigo Egito que os irmãos filho e filha dos reis se casassem, portanto é possível que a esposa do faraó fosse sua própria irmã. Tanto narrativas relacionadas a Abraão quanto a Moisés aparecem em muitas partes do Alcorão, mas, as mais diretas sobre Moisés estão no cap. ("sura" em árabe) 28 intitulada "As Narrativas" e o cap. 20 intitulado "Taha". O Alcorão diz que Moisés foi criado no palácio egípcio, portanto, conheceu bem a língua, costumes, e até os segredos ocultos do antigo Egito. Então, certo dia ele resolveu sair do palácio se aproveitando de uma distração dos tutores que o vigiavam para ver como era a vida lá fora na cidade, assim, ele viu um egípcio maltratando um hebreu e tomou partido desse matando o egípcio. No dia seguinte, o mesmo homem que ele ajudou estava em uma disputa e Moisés quis ajudá-lo, mas, o adversário desse lembrou-lhe do homem que ele havia matado no dia anterior, por isso Moisés temeu pelo julgamento e fugiu para Madiã (ou Median) que fica a oeste do monte Sinai. Essa região era habitada por uma tribo semelhante a árabes nômades e Moisés se refugiou junto a um poço. Segundo a Bíblia, as sete filhas do sacerdote de Madiã, Jetro, foram até o poço para pegar água para das de beber aos seus rebanhos mas foram expulsas por outros pastores, e, Moisés vendo essa injustiça pegou água do poço e deu de beber aos rebanhos delas, segundo o Alcorão, eram apenas duas filhas de Xuaib, o mensageiro de Deus enviado ao povo de Madian, um povo de árabes nômades que era famoso por fraudar as balanças durante o comércio que praticavam com estrangeiros. No dia seguinte, as filhas de Jetro/Xuaib convidaram Moisés a tenda de seu pai, e esse foi bem recebido e contou a história de sua fuga do Egito a Jetro/Xuaib que ofereceu-lhe um contrato de trabalho no qual teria direito a se casar com uma das filhas dele ao trabalhar pastoreando seu rebanho, Moisés aceitou e se casou com Tzefora (chamada de "Séfora" na Bíblia). Certa vez, Moisés já maduro e pai de família viu uma luz enquanto pastoreava o rebanho e foi até onde essa luz estava, (segundo o Alcorão, esse lugar era o "vale de Tawa" ou "vale de Tôua"). A Bíblia diz que ele viu Deus se manifestando em uma chama em um arbusto que ardia mas não se consumia. Na verdade, os cabalistas dizem que isso não passa de uma analogia simbólica, pois, Deus não pode se manifestar diretamente a homem algum que não esteja espiritualmente preparado, por isso ele se apresenta através de "filtros" como nesse caso. Deus se manifestou a Moisés e mandou ele jogar seu cajado no chão que se transformou em serpente, depois mandou ele colocar a mão dentro da túnica que saiu branca de lepra e depois voltou ao normal, esses são sinais que ele devia mostrar ao faraó como prova de que ele era um representante do Deus único e para lhe pedir para deixar os hebreus saírem do Egito. No Alcorão cap. 20 versículos 17 a 21, veja:

   "'Que seguras na mão direita, ó Moisés?'                                            Respondeu: "É meu cajado, no qual me apoio. Com ele, quebro folhagem para meus carneiros. E serve-me para outros usos."               Ordenou Deus: "Joga-o no chão, ó Moisés."                                   
   E Moisés lançou-o ao chão, e eis que o cajado virou uma serpente em movimento.                                                                           
   Deus ordenou: "Agarra-a, e nada temas, voltaremos-a a seu estado original."
                                                                                                   
   Muitas lendas foram criadas em torno desse cajado de Moisés através do qual ele realizou grandes milagres e que também era símbolo de sua autoridade, tornou-se objeto de mitos e especulações. Moisés argumentou que não tinha um linguajar eloquente e pediu para deixar seu irmão Aarão lhe ajudar nessa missão. Ao apresentar seus milagres diante do faraó, esse se recusou a conceder a saída dos hebreus, pediu opinião a seus conselheiros que recomendaram chamar outros "mágicos" para mostrar uma magia maior e ainda pediu a Haman para mandar coser tijolos e construir uma torre semelhante a torre de Babel em afronta ao deus de Moisés (Haman é citado apenas no Alcorão e provavelmente era um conselheiro ou general do faraó que incentivava a política de opressão aos povos estrangeiros que habitavam o Egito). De acordo com o livro pseudo-epigrafado "Testamento de Salomão" escrito nos primeiros séculos d.C. a arrogância do faraó foi instigada pelo demônio Azethibod que tinha a aparência de uma criatura com uma asa apenas e que ficou "lacrado" no Mar Vermelho após a travessia dos hebreus (para mais detalhes sobre isso recomendo outro livro meu onde falo sobre os mistérios relacionados a Salomão que pretendo publicar futuramente). Moisés atravessou o Mar Vermelho que se abriu junto com o povo hebreu e os soldados do faraó se afogaram quando tentaram perseguir os hebreus. Depois disso o que se segue é a orientação de Moisés aos hebreus sobre o que é permitido ou proibido, a orientação para a criação de certos artefatos como a Arca da Aliança e quarenta anos de peregrinação errante no deserto antes da entrada na "terra prometida" de Canaã (os cabalistas bem sabem que esse número "quarenta" é puramente simbólico). Em certo momento, Moisés se retirou para o monte para consultar Deus e receber revelações (muitas especulações existem sobre esse monte, uns dizem que seria o "Monte Horeb" outros dizem que seria o "Monte Sinai" mas qual seria exatamente essa montanha permanece um mistério). Enquanto Moisés estava nesse monte e recebeu as "tábuas" contendo os dez mandamentos, o povo hebreu se perverteu e criou um bezerro de ouro fundindo suas joias de ouro e adorando-o como seu deus. Segundo a Bíblia no cap. 32 de Êxodo, enquanto Moisés etava fora no monte o povo hebreu pediu a Aarão permissão para fazer a imagem do bezerro de ouro e Aarão até orientou seu feitio. Mas o Alcorão diz que quem orientou os hebreus a fabricar esse bezerro foi um estrangeiro que estava entre o povo hebreu, um homem samaritano. Quando Moisés voltou e viu a idolatria do povo hebreu recriminou duramente seu irmão Aarão e esse disse que foi culpa do samaritano. Veja o trecho do Alcorão cap. 20 versículos 95 a 97:

   "Moisés disse: 'E tu, que tens a dizer, ó samaritano?'                         Respondeu: 'Vi o que os outros não viram. Tive então o impulso de apanhar um punhado de terra das pegadas do Mensageiro (Moisés) e jogá-lo contra o bezerro.'                                                  
   Disse Moisés: 'Afasta-te daqui. Teu quinhão da vida será repetir: 'Não me toques'. (significa que ele foi amaldiçoado com a lepra). E terás um encontro marcado que não falhará. Contempla teu deus a quem te dedicavas. Queimaremos-o e jogaremos suas cinzas no mar."

   A ideia de criar a imagem de um bezerro para adorar como deus pode ter vindo da Índia. O antigo Egito era uma nação multicultural e recebia estrangeiros de partes tão distantes do mundo como Grécia, regiões da África, Pérsia e a Índia. O culto ao deus/boi Ápis popular no Egito ainda na época do imperador romano Augusto deve ter evoluído a partir da superstição dos indianos do Egito e é possível que esse samaritano tenha se baseado nisso para orientar os hebreus a criar a imagem de um bezerro. Quanto a ideia de pegar um punhado de terra das pegadas de Moisés, isso de chama "energia vibracional". Cada indivíduo possui uma energia vibracional própria exalando de seu corpo, por isso objetos pertencentes as pessoas ou mesmo peças de roupas costumam serem usadas nas "magias simpáticas" para afetar o indivíduo a distância, é um conhecimento praticamente institivo e a razão de alguns indivíduos nos tempos de Jesus quererem tocar em suas vestes para serem curados de suas moléstias, pois sabiam que a "energia vibracional" dele era capaz disso. O Alcorão ainda diz que esse bezerro de ouro emitia mugidos, isso por que quando Moisés saiu para o monte o samaritano tendo visto pessoalmente os feitos extraordinários realizados por Moisés sabia institivamente que a energia dele era capaz de feitos extraordinários, por isso pegou um punhado de terra de onde ele tinha pisado e quando o bezerro ficou pronto jogou sobre essa estátua que passou a emitir mugidos (esse detalhe dos mugidos só aparece no Alcorão, não na Bíblia). Ilustração representando Moisés:
   A igreja dos Mórmons também chamada de "Igreja dos Santos dos últimos Dias" possui entre seus livros sagrados um chamado "Testamento de Moisés" no qual é narrado que Moisés certa vez foi chamado ao monte e Deus revelou-lhe mentalmente muitos dos planetas onde haviam civilizações que ele governava, Moisés ficou aturdido com essa visão e desmaiou. Ao despertar, Moisés reconheceu que Deus era o senhor de "muitos mundos" (civilizações extraterrestres) e o Diabo se apresentou a ele exigindo ser adorado. Moisés se recusou a adorá-lo e esse ficou furioso, por fim ele saiu de cena e Deus retornou dizendo que aquele havia sido um teste no qual ele passou. A morte de Moisés se encontra narrado no cap. 34 de Êxodo veja:

   "Subiu Moisés das planícies de Moab ao monte Nebo, ao cimo de Fasga, defronte Jericó. O Senhor mostrou-lhe toda a terra, desde Galaad até Dã, todo Neftali, a terra de Efraim e de Manassés, todo território de Judá até o mar ocidental, o Negeb, a planície do Jordão, o vale de Jericó, a cidade das palmeiras até Segor. O Senhor disse-lhe: 'Eis a terra que jurei a Abraão, a Isaac e a Jacó dar a sua posteridade. Viste-a com os teus olhos, mas não entrarás nela.'             E Moisés, o servo do Senhor, morreu ali na terra de Moab, defronte Bet-Fegor, e ninguém jamais soube o lugar do seu sepulcro. Moisés tinha cento e vinte anos no momento de sua morte; sua vista não se tinha enfraquecido, e o seu vigor não se tinha abalado."

   Por esse trecho entendemos que após sua jornada, Deus pediu a Moisés para subir ao monte, e, como último teste disse a ele para se suicidar se jogando do alto, antes disso Moisés já tinha passado sua autoridade a Josué que passou a liderar os hebreus. Esse trecho também diz que embora Moisés tivesse 120 anos, ainda estava vigoroso e não um velhinho acabado. Quanto ao destino de seu corpo, a carta de São Judas diz no versículo 9:

   "Ora, quando o arcanjo Miguel discutia com o demônio e lhe disputava o corpo de Moisés, não ousou fulminar contra ele uma sentença de execração, mas disse somente: 'Que o próprio Senhor te repreenda'."

   Certamente o diabo tinha motivos para querer o corpo de Moisés, seria útil a ele para muitas coisas obscuras além dele se vingar dele por não tê-lo adorado. Resta somente a respeito de Moisés citar duas coisas: um livro conhecido da tradição cabalística chamado "A Espada de Moisés" que se trata de uma série de fórmulas baseadas em "nomes de Deus, um típico grimório possivelmente escrito por um rabino na Idade Média. E também o que Blavatsky tem a dizer a respeito de Moisés, está na excelente biografia dela "Madame Blavatsky, A Mãe da Espiritualidade Moderna" cap. 5 pag. 115:

   "Essa Cabala, a primeira e a original, foi alterada depois por Moisés, um 'ambicioso profeta e médium' que trocou seu espírito familiar, o vingativo Jehovah, pelo espírito de Deus."

   Essa declaração de Blavatsky sugere que a princípio Moisés (que seria um tipo de médium) servia-se dos favores do "espírito familiar" Jehovah (o mesmo de "Iawel" entidade adorada em Canaã) depois passou a servir ao Deus único. Quanto a tradição presente na arte da Idade Média e Renascença da Europa de representar Moisés com chifres recomendo darem uma olhada no meu outro blog: ricardodias7.blogspot.com.br post de título "OS CHIFRES DE MOISÉS" onde explico a razão disso. No mais, a tradição da cabala considera Moisés um grade adepto que conheceu a fundo os mistérios e tradições mágicas do antigo Egito e foi certamente um cabalista que preservou essa tradição e transmitiu-a a outros, parte da qual chegou até os cabalistas dos dias atuais, além de ter deixado para trás certos "artefatos mágicos" hoje perdidos ou ocultados de olhos profanos.  

domingo, 28 de outubro de 2018

GERSHOM  SHOLEM  E  SUAS  CONTRIBUIÇÕES  PARA  O  MISTICISMO  JUDAICO

   Olá pessoal! Nesse post vou falar sobre um personagem muito influente tanto no misticismo judaico contemporâneo quanto nos meios intelectuais do judaísmo em geral: Gershom Scholem.
   Na pesquisa que eu fiz para meu livro "O Conhecimento da Cabala" (link para ele á direita desse blog) e na pesquisa que qualquer um fizer relacionado ao misticismo judaico ocasionalmente vai encontrar o nome de Gershom Scholem. Gershom Scholem (cujo nome original é Gehard Scholem) nasceu em 1897 na Alemanha e faleceu em 1982 em Jerusalém, Israel. Já li decrições de Scholem como o "mais importante estudioso acadêmico da cabala no século XX" e também de referências á ele como tendo sido um grande cabalista, essas alegações tem que ser colocadas em "pratos limpos" e é o que vou tentar fazer nesse post.
   A primeira coisa a ser considerada sobre ele é que Scholem não foi um cabalista de verdade, pelo menos não no conceito verdadeiro de "cabalista prático". Ele foi um estudioso, isso é confirmado, e um grande conhecedor de todos os principais textos do judaísmo como a Torá, o Midrash (texto que versa sobre a interpretação esotérica da Torá), o Zohar (texto trazido a publico pelo rabino cabalista espanhol Moshe de Leon 1250-1305. Até hoje é o mais exaltado texto do misticismo judaico embora eu considere isso exagerado) o Talmud e outros. Scholem está muito mais para um intelectual lógico, racionalista e científico que interpretou de modo puramente "racional" a religião judaica e o misticismo judaico do que para um ocultista de verdade, isso certamente todos os ocultistas praticantes reconhecerão. Fotos de Scholem jovem, adulto e idoso, sempre cercado de livros:





   Vou tentar entrecortar narrativas biográficas de Scholem com o desenvolvimento de seu pensamento e os elementos que influenciaram seu pensamento. 
   Scholem nasceu na Alemanha. Seu pai era um impressor e não tinha muito interesse no judaísmo, mas, sua mãe o encorajou a estudar a língua hebraica e o Talmud com um rabino. Em relação a sua vida acadêmica, estudou lógica matemática e línguas semíticas. Casou-se com sua primeira esposa Elsa Buschard que conheceu na Alemanha quando estudava na universidade. Seu texto de doutorado foi baseado no Bahir de Nehunya ben Hakanah um eminente rabino do séc. I um texto de Midrash (considerando "Midrash" como interpretação esotérica da Torá em geral). Desde jovem foi atraído ao estudo do misticismo judaico e interpretou esse misticismo do ponto e vista do movimento chamado "Wissenchaft des Judentums" ("estudos judaicos" ou "estudos do judaísmo") um movimento que entendia o judaísmo e também a mística judaica como um legado da civilização ocidental e interpretava tópicos desse tema de modo puramente científico. Quando jovem se encontrou com um rabino especialista em cabala que se referiu aos muitos livros sobre cabala de sua prateleira como um "lixo" e "perda de tempo". Scholem desde cedo entendeu a cabala não como algo útil e elevado, mas, como um resíduo supersticioso digno apenas de estudo acadêmico (o misticismo desprovido de seu caráter "intuitivo" e "misterioso" é apenas texto e matéria de estudo acadêmico mesmo, apenas aqueles que experimentam os aspectos práticos do esoterismo entendem seu valor). O pensamento de Scholem sobre o judaísmo e mística judaica em geral não era muito diferente do pensamento dos acadêmicos alemães de seu tempo, na verdade suas opiniões sobre esses assuntos eram muito alinhadas com o pensamento dos alemães de nascença que não tinham nenhuma relação com judaísmo e a mística judaica (levando-se em conta que alemães como Cornellius Agrippa, o barão Knorr Von Rosenroth, Johann Reuchlin além do alquimista Paracelso que era suíço mas deu contribuições valiosas a literatura de misticismo em língua alemã todos esses foram influenciados pela cabala e contribuíram para a cabala com textos em língua alemã, nem todo alemão é "puramente científico"). 
   Outros intelectuais judeus com os quais Scholem teve contato e com os quais manteve correspondência postal por longo tempo foram Walter Benjamin 1892-1940 (que se suicidou tomando comprimidos de morfina durante sua tentativa de atravessar a fronteira da Espanha para Portugal e depois emigrar para os EUA durante a perseguição nazista) e Leo Strauss 1899-1973. Curioso é que outro intelectual judeu/húngaro colega de Benjamin chamado Arthur Koestler notável por ter publicado o livro "A Décima Terceira Tribo" conhecido do pessoal das "teorias da conspiração" por falar da "tribo Khazar" também tentou se suicidar da mesma maneira  ao atravessar a fronteira mas sobreviveu.
   Scholem acreditava que o misticismo judeu foi um percussor de um tipo de gnosticismo anterior ao gnosticismo cristão. O irmão de Scholem chamado Werner se tornou adepto do ultra-esquerdismo marxista/comunista e acabou assassinado pelos nazistas (podemos especular sobre uma ligação entre o judaísmo e sua influencia no surgimento do marxismo/comunismo, afinal, Carl Marx era judeu da Prússia e a Rússia berço da Revolução Bolchevique sempre teve relevante colônia judaica). Mas Scholem era radicalmente contra o comunismo/marxismo embora tenha flertado com o sionismo judeu. 
   Em 1923 influenciado pelas ideias do sionismo ele emigrou para a Palestina onde trabalhou como bibliotecário. Em 1936 ele se casou com sua segunda esposa Fania Freud. 
   Dentre os livros de Scholem que podem ser considerados referências eu elegeria "Kabbalah", "A Cabala e Seu Simbolismo", "Origens da Kabbalah", "Zohar-O Livro do Esplendor", "Principais Tendencias do Misticismo Judaico" e "Gnosticismo Judaico, Misticismo Merkabah e Tradição Talmúdica". Ainda hoje Scholem é tido como uma importante fonte de referência em relação a textos judaicos e estudos sobre misticismo judaico, mas, volto a afirmar: Scholem era um estudioso acadêmico e não um cabalista ou ocultista  praticante, portanto, seus livros não devem ser considerados textos "de cabala prática".

terça-feira, 25 de setembro de 2018

TRADIÇÃO  DE  ESTUDAR  CABALA  EM  GRUPOS

   Olá a todos! Nesse post vou falar um pouco sobre o costume judaico de se estudar cabala em grupos.
   Para quem não sabe, os judeus não estudam a Torá apenas nas sinagogas ou discutem seus textos e significados de forma informal, existem escolas lideradas por rabinos que são focadas em ensinar a Torá, o Talmud (livro de tradições judaicas, é uma coletânea composta de vários volumes abrangendo diversos assuntos relacionados a tradição judaica, considerado o segundo livro mais importante do judaísmo atrás apenas da Torá) e o Midrash (livro focado em explicar o significado de certas passagens da Torá). Essas escolas são chamadas tradicionalmente de "Yeshivá" ou "Beit Midrash". É um tipo de ensino que pode ser comparado a catequese que os católicos estudam e que é ensinado aos judeus antes do "bar mitsvá" e depois. O costume nas yeshivot (plural de yeshivá) é que os alunos estudem em duplas, esse método de ensino é inspirado na passagem da Torá que está no livro de Gênesis cap. 2 versículo 18, veja:

   "O Senhor Deus disse: 'Não é bom que o homem esteja só.(...)'"




   Assim sendo, os dois estudantes se ajudam e se aprofundam nas interpretações relativas a Torá e os outros textos de relevância para a tradição judaica. Para aqueles que estudam com o intuito de receberem a ordenação para se tornarem rabinos, esses devem se aprofundar nesses estudos relativos ao conteúdo e interpretação desses textos, não só a parte religiosa e histórica, como também a parte relativa a legislação judaica que é chamada tradicionalmente de "halachá" ou "halaká" são interpretações específicas sobre o que é permitido e o que é proibido de acordo com o judaísmo. Existem certos rabinos que são mais aprofundados nesse conhecimento, mas, nem todo judeu está totalmente inteirado dos detalhes das leis judaicas. Um paralelo da halachá é a chamada no islamismo de "sharia" que significa em árabe "caminho" e também existem muçulmanos que se aprofundam nessa interpretação das leis de acordo com o Alcorão essa área é chamada de "fiqh" que significa em árabe "jurisprudência". Entretanto, a sharia é absolutamente subjetiva, não existe uma sharia unificada e aceita por todos muçulmanos, certos intérpretes é que dizem por conta própria o que consideram permitido ou não. O estudante judeu que domina todos esses assuntos e os estuda com o fim de se tornar rabino recebe ao se formar a chamada "semichá" que significa "imposição de mãos" e está apto a exercer suas funções de rabino. Vale mencionar que existe uma semichá muito especial que vinha sendo transmitida desde os tempos de Moisés e exige mais estudo e orientação de certos rabinos, essa semichá especial foi concedida ao rabino cabalista Baal Shem Tov (1698-1760) fundador do movimento chassidista. Mas existe uma diferença entre o rabino comum e o rabino denominado "cohen" o "cohen" é um rabino designado especificamente para conduzir os ritos da celebração judaica e na verdade só se considera cohen os que são descentes de Aarão irmão de Moisés, é uma casta sacerdotal específica. Essa palavra "cohen" muito provavelmente foi de onde o pessoal da wicca deve ter tirado a palavra "coven" que é como se designa um grupo dedicado as práticas dessa tradição. Também a maçonaria costuma usar essa palavra para designar rituais específicos como o chamado "eleito cohen". 
   Também na tradição do estudo da cabala que é a vertente esotérica do judaísmo se costuma estimular o adepto a não estudar sozinho, tanto para que ele tenha um parceiro que o ajude, quanto para que ele não se perca em devaneios ou pense que suas práticas estão dando efeitos "delirantes" demais, pois, se outro parceiro constatar os mesmos efeitos, então pode-se ter certeza que os efeitos são verdade e não ilusão. Mas o modo como o mestre cabalista ensina a seus discípulos é único e depende exclusivamente dele. O rabino Abraham Abuláfia (1240-1291) costumava além de escrever muito, ensinar a alguns discípulos que ele achava que mereciam durante suas andanças e os ensinava em diferentes níveis, pois, conhecia aqueles que mereciam receber conhecimentos de um nível superior e aqueles a quem apenas poderia ser dado um conhecimento básico pois não estavam desenvolvidos o bastante.
   O rabino Issac Luria (1534-1572) conhecido como ARI e reconhecido pela maioria como o maior cabalista de todos os tempos não gostava muito de escrever, tanto pelo respeito que tinha pela tradição oral, quanto por acreditar que certas experiências místicas nunca poderiam ser descritas por palavras em livros. Ele costumava apenas dar palestras em determinados momentos a seus discípulos. Após sua morte, seu principal discípulo Chayn Vital (1542-1620) se tornou o centro ao redor de onde orbitavam os outros discípulos do ARI e Vital junto a um grupo seleto de estudantes se comprometeram a estudar os ensinamentos do ARI apenas baseado na interpretação de Vital e a nunca deixar que o textos desse estudo fossem traduzidos para outras línguas ou fossem divulgados ao grande público, mas, um seguidor de Vital chamado Josué se aproveitando da doença dele que o deixava parcialmente cego ofereceu muito dinheiro ao irmão de Vital para ter acesso aos escritos secretos e contratou uma grande equipe de copistas que em pouco tempo produziram centenas de páginas posteriormente publicadas sob o título de "Ezzayin". Resumindo, embora o estudo em grupo seja estimulado pelos cabalistas judeus, cada um tem seu método próprio de ensino aos alunos.

domingo, 16 de setembro de 2018

O  MYNIAN

   Olá a todos! Nesse post vou falar um pouco sobre uma tradição judaica chamada "mynian".
   Um mynian (também grafado de outras formas como "minian" ou "minyan") é um grupo de dez judeus reunidos para certas obrigações religiosas como orações públicas. Geralmente exige-se que sejam homens e que já tenham cumprido o "bar mitzva" (equivalente a "primeira comunhão" dos católicos geralmente os judeus alcançam essa etapa aos 13 ou 15 anos), mas, correntes mais liberais fora do judaísmo ortodoxo concordam que mulheres adultas também podem ser incluídas na mynian. 

   Acontece que a mynian não possui apenas esse caráter "religioso", possui também um caráter "ocultista". Uma dessas facetas ocultistas da mynian é relacionada ao exorcismo. No meu livro "Análise Sobre Mitos e o Oculto" (link á direita do blog) especificamente na parte sobre demonologia eu falei um pouco sobre como é o ritual de exorcismo judaico. O exorcismo judaico tradicional é realizado através da mynian liderada por um rabino mais experiente. O grupo se reúne em torno da vítima possuída, um deles sopra o shofar (sobre o shofar recomendo darem uma olhada no post desse mesmo blog intitulado "O SHOFAR") e depois eles entoam o salmo 91, muito requisitado nas orações tradicionais judaicas de um modo geral. Depois se pergunta ao "espírito" porque ele possuiu a vítima. Pode-se considerar o "espírito" como sendo um (ou mais) demônio(s) ou como sendo um dibbuk (o equivalente a "espírito vagante" na tradição judaica. Talvez tema de um futuro post). 
   Outra conotação ocultista da minyan é relacionada ao ritual conhecido como "pulsa d'nura" (também grafado como "pulsa d'nora" ou "pulsa dinura"). "Pulsa d'nura" significa em aramaico "chicotes de fogo". Esse ritual é antiquíssimo e considerado como "último recurso" na tradição judaica. Os judeus costumam recorrer a esse ritual para exortar os "anjos destruidores" a destruírem alguém que ameaça a nação judaica de um modo geral ou seus interesses. Um caso relativamente recente que foi divulgado na mídia relacionado a isso aconteceu em 2004 quando os rabinos da Ucrânia reuniram a mynian em um cemitério na noite de lua cheia para exortar os "anjos destruidores" a eliminarem o oligarca Judeu Ígor Kolomoiski que patrocinava batalhões da Guarda Nacional ucraniana. É sabido que tal recurso teria sido usado contra o ex-primeiro ministro Isaak Rabin em 1995 que morreu baleado, em 2005 contra Ariel Sharon que sofreu um AVC mas não morreu e Ehud Olmert sucessor de Sharon que foi diagnosticado com câncer de próstata. É sabido que tal ritual teria sido usado contra o papa João Paulo II em 2000 por ele ter declarado apoio a causa dos palestinos. O certo é que há grandes riscos envolvidos nesse ritual, ele só funciona teoricamente se a vítima merecer morrer, senão, toda carga do ritual volta contra os que o praticaram, em linguagem ocultista isso é chamado "choque de retorno" que o ditado popular mais conhecido vulgarizou dizendo "o feitiço se voltou contra o feiticeiro". Mais precisamente sobre os "anjos destruidores" a tradição reconhece como sendo os anjos encarregados por Deus de punir aqueles que merecem, a tradição judaica diz que foram esses anjos que puniram os hebreus que se revoltaram contra Moisés no deserto e também há menção a esse tipo de anjo no Primeiro Livro de Crônicas. 
   A terceira conotação do uso ocultista da mynian que eu queria mencionar é relacionada a wicca vulgarmente chamada "magia da nova era". Na wicca é comum os adeptos (geralmente reunidos em "covens") se reunirem para se concentrarem em determinados objetivos. Esse princípio de se reunir para se focar em um objetivo muito provavelmente foi inspirado na minyan judaica. Naturalmente vários indivíduos reunidos e focados em certo objetivo podem gerar um potencial maior do que um só, afinal eles geram uma "egrégora" maior e mais forte. Essas são algumas conotações ocultistas da mynian.   

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

O  PROFETA  ELIAS, UM  DOS  IMORTAIS

   Olá pessoal! Nesse post vou falar sobre algumas tradições que envolvem o profeta Elias.
   No post anterior eu havia falado um pouco sobre o estado mental "profético" um estado mental muito avançado e alcançado pelos grandes adeptos através do qual eles conseguem realizar grandes feitos. Eu havia mencionado que Elias se valia de uma posição especial colocando a cabeça entre os joelhos para se alcançar esse estado e também falei sobre que as técnicas do cabalista Abraham Abuláfia eram capazes de induzir a estados semelhantes a este, motivo de seu sistema costumar ser chamado de "cabala profética". Mas nesse post vou falar especificamente sobre o profeta Elias. 
   O profeta Elias viveu, de acordo com com a Bíblia, durante o reinado de Acab que seria em meados do séc. IX a.C. Ele teve que enfrentar a idolatria que ainda insurgia entre os judeus e realizou grandes prodígios. No fim, de acordo com a Bíblia ele foi arrebatado. Isso era algo sobre o qual ele mesmo estava bem informado, assim como também o sabiam seu discípulo Eliseu e os filhos dos sacerdotes. O que a Bíblia conta é que os filhos dos sacerdotes ficaram ao longe enquanto Elias atravessou o rio Jordão abrindo suas águas com seu manto, acompanhado de Eliseu. Elias disse a Eliseu para pedir a ele algo antes dele "partir" e Eliseu pediu "uma porção dobrada do teu espírito" (inspiração profética). Elias respondeu que se ele fosse capaz de enxergar quando ele fosse arrebatado isso lhe seria dado. Então surgiu um carro de fogo e arrebatou Elias aos céus sendo que seu manto caiu e Eliseu viu tudo recolhendo o manto de Elias e partindo as águas do Jordão em sua volta. Assim, Eliseu passou a ser portador da mesma inspiração profética de Elias e a realizar feitos tão extraordinários quanto os dele. Esse é um episódio que permite muitas interpretações, as mais aceitas são as que dizem que Elias não morreu, foi "elevado" a outro plano de existência, transcendendo a existência física, se tornou ascensionado. Assim sendo, considera-se que ele não morreu. O mesmo se diz a respeito do patriarca Enoch, que ele não morreu. Dessa forma, Elias tornou-se um dos imortais. Representação de Elias sendo arrebatado e deixando seu manto cair:

   Existem muitas tradições a respeito de indivíduos que alcançaram esse estado, pelo menos sobre dezenas de personagens com esse perfil até onde sei. Falei sobre alguns desses no post em meu outro blog: https://ricardodias7.blogspot.com.br no post de título "IMORTAIS". Sobre Enoch, é curioso que é citado no clássico "Drácula" de Bram Stoker. Passa despercebido pela maioria dos leitores que Stoker foi membro da Golden Dawn, notória sociedade esotérica do séc. XIX e que sua obra está repleta de referências veladas a princípios ocultistas bem fundamentados, a maioria não tem capacidade de distinguir esses detalhes e na verdade ficam demasiado envolvidos pela fantasia da trama desatentos a isso. No livro há um personagem que foi internado no hospício chamado Renfield, ele acredita que é possível prolongar sua existência comendo outras criaturas asquerosas como moscas e aranhas. Estava tão certo de sua crença que em uma parte de um diálogo com o médico que cuidava do lugar declarou que "-saiba que, quanto aos assuntos terrestres, ocupo a posição que Enoque ocupou quanto ás coisas espirituais." O médico perguntou: "Porque Enoque?" ele respondeu "-Porque andou com Deus." o médico pensa consigo "-Não consegui descobri a analogia(...)." O louco Renfield comparou a si mesmo com Enoque porque achava que poderia "evitar a morte" como o patriarca o fez, e mesmo a ideia de que "sangue é vida" ele havia tirado da Bíblia, livro de Deuteronômio onde se diz que não se deve comer um animal sem abatê-lo corretamente pois a "alma está no sangue". São alguns detalhes chave que creio a maioria nem sequer se deu o trabalho de notar ou refletir na obra de Stoker. Mas, voltando a Elias, a partir de então ele passou a ser considerado um imortal, um ser ascensionado, e a tradição judaica fala de muitos episódios mesmo em época relativamente recente em que Elias se manifesta a algum adepto. Ele desapareceu misteriosamente assemelhando-se a outros como o indiano Mahavatar Babaji que segundo consta, se manifestou para Paramahansa Yogananda, personagem influente no movimento "Nova Era" dos anos 60. Outro personagem com perfil semelhante foi Shankaranchaya também chamado de Shânkara, ele foi um reformador do hinduísmo e autor de muitos livros que teria vivido em meados do séc. VIII d.C., e, segundo Blavatsky, se isolou em uma gruta no Himalaia sem se submeter a morte. Muito semelhante também ao personagem conhecido na tradição árabe como El Khidr, o "Homem Verde" que aparece no Alcorão cap. 18. A tradição sufi, vertente esotérica do islamismo narra muitas histórias nas quais El Khidr apareceu fisicamente para alguns califas do passado e também para alguns místicos sufis. 
   O grande pesquisador russo Zecharia Sitchin (1920-2010) viveu e estudou em Israel, e esteve bem familiarizado com as tradições a respeito da imortalidade de Elias. Em seu livro "Fim dos Tempos" ele fala sobre a ceia cerimonial que é celebrada na noite do primeiro dia da páscoa judaica. Nessa ceia, é costume colocar uma taça com vinho simbolicamente para Elias sobre a mesa, a porta é deixada aberta e um hino especial é recitado, ele é considerado quase como um "Papai Noel"!. Assim, as crianças judias crescem acreditando que Elias ainda está vivo e um dia retornará para anunciar a vinda do "Messias" (levando-se em conta que boa parte dos judeus não considera que Jesus foi esse Messias).
   Dentro da cabala, assim como eu mencionei anteriormente sobre o sufismo e a manifestação de El Khidr para os adeptos, se considera que Elias se manifesta para os grandes cabalistas. Todos os grandes cabalistas do passado incluíndo Abraham Abuláfia e Issac Luria diziam que Elias se manifestou para eles. O rabino Josef Saragossi (1460-1507) responsável por começar a transformar a cidade de Safed em Israel em um centro de estudos cabalísticos disse que Elias apareceu para ele. Veja essa citação do livro "Meditação e Cabalá" de Aryeh Kaplan:

   "O autor do 'Sêfer Charedim', um jovem contemporâneo, escreveu: 'Josef Saragossi, professor do Rabdaz, sempre trouxe paz entre os homens e seus vizinhos, entre marido e mulher, e até mesmo entre gentios. Ele foi merecedor de ver o profeta Elias.'"

   Por isso, a visão de Elias costuma ser considerado algo que os grandes cabalistas tem que fazer por merecer para que ele se manifeste, e também se considera que ele guia e incentiva os grandes estudantes cabalistas a persistirem para alcançarem mais conhecimento e divulgar a cabala aos interessados.      

sábado, 18 de agosto de 2018

O  ESTADO  DE  CONSCIÊNCIA  DE  PROFECIA

   Olá a todos! Nesse post vou falar sobre o conceito do que é um "profeta" e as peculiaridades do estado mental alcançado pelos indivíduos que alcançaram esse nível.
   A maior parte da imagem formada no inconsciente coletivo sobre o que é um profeta vem de cenas do Antigo Testamento, os profetas são reconhecidos por serem homens que vivem reclusos, afastados dos centros urbanos e pouco acostumados com os confortos e luxos da civilização. Pensa-se que eles tem um tipo de "ligação especial" com o divino, que são capazes de "profetizar" sobre acontecimentos que irão se concretizar no futuro e realizar "milagres", fenômenos que transcendem o que é considerado normal. Há um paralelo dos profetas do Antigo Testamento com os "oráculos" dos templos pagãos da antiguidade, pois, esses também serviam de "porta-voz" da vontade divina e davam "oráculos" previsões sobre o futuro. Um detalhe que se repete nesses "oráculos" dos templos pagãos e os profetas bíblicos é que os dois tipos costumavam fazer uso de algum método para entrar em um estado mental diferente do comum. Os oráculos dos templos pagãos recorriam a aromas de incenso para isso, e também há os relatos sobre o templo de Delfos onde os oráculos eram expostos a vapores de gases de fendas do solo sobre o qual o templo tinha sido construído para se atingir esses estados mentais. Já os profetas bíblicos recorriam a certas posturas meditativas e música como meio de se alcançar esses estados.
   Jesus disse no Evangelho de Lucas cap. 3 versículo 24: 

   "Em verdade vos digo: nenhum profeta é bem aceito em sua pátria."

   Assim o foi com todos. Elias teve vários atritos com os reis de sua época e mesmo Maomé foi expulso de sua cidade natal. Como enviados a missões especiais e denunciantes dos desvios de conduta de seus contemporâneos eles eram tidos como portadores de más notícias. Em relação aos muitos fenômenos que eles manifestaram, deve-se separar aqueles realizados para servirem de testemunho para a exaltação da unicidade de Deus dos feitos de acordo com métodos específicos, esses seguem métodos que na verdade podem ser reproduzidos por adeptos até mesmo da atualidade (e de fato o são como os relatos sobre grandes cabalistas judeus confirmam). Mas tais métodos são considerados "cabala prática" e por isso mantidos no mais absoluto sigilo. Frequentemente esses métodos envolvem estados meditativos avançados.
   Um dos cabalistas que esteve envolvido com avançados métodos meditativos foi Abraham Abuláfia (1240-1291), tanto que seus métodos por vezes são chamados de "cabala profética" ou também "cabala estática". Abuláfia viajou muito por vários países, divulgava seus métodos e esteve envolvido em controvérsias, mas nunca deixou de escrever e legou muitos livros, embora certos manuscritos dele tenham sido mantidos até hoje nas mãos de uns poucos eruditos judeus que creem que tais métodos não deveriam ser divulgados. Fiz uma menção biográfica sobre Abuláfia no meu livro "O Conhecimento da Cabala" link á direita do blog. 
   No livro "Meditação e Cabala" de Aryeh Kaplan, esse autor apresenta muitas informações sobre a vida e os métodos de Abuláfia. Abuláfia nasceu em 1240 e isso pode parecer sem significado, mas, de acordo com o calendário judeu, esse era o ano 5000. Abuláfia estava ciente desse detalhe e dizia que havia sido incubido de uma missão especial em vida. Os métodos meditativos que Abuláfia apresentava em seus livros eram avançados, mas não eram absolutamente sua invenção, eram baseados em técnicas mais antigas, mas que nunca antes outro cabalista teve coragem de expô-los como ele afirma em certo trecho de seus escritos: "Nenhum outro cabalista antes de mim escreveu livros explícitos sobre esse assunto." Existe muitas interpretações que os rabinos fazem sobre porque em teoria deixaram de existir "profetas". Uma delas é que isso ocorreu porque o Templo de Salomão foi destruído, outra diz que isso só voltará a acontecer quando forem obedecidos os ritos relacionados a purificação usando-se as cinzas da "vaca vermelha" mencionadas no Antigo Testamento no tempo de Moisés e inclusive no Alcorão, outra teoria diz que a profecia só poderá se manifestar em Jerusalém e em nenhum outro lugar. Mas Abuláfia estava convencido de que sua missão era disponibilizar esses métodos para aqueles que pudessem alcançá-los e fossem merecedores de fazê-lo. 
   Pela própria natureza dessas técnicas, elas acabam induzindo o indivíduo que as pratica a visões e experiências que podem ser demais para pessoas despreparadas e levarem-o a insanidade. Pelo que se sabe dos métodos que Abuláfia praticava e sobre os quais ele mesmo escreveu, esses envolviam estados meditativos, entoação de letras e combinações de letras hebraicas junto a movimentos específicos com a cabeça de acordo com a posição dos pontos vocálicos e também haviam métodos nos quais se permutava palavras escrevendo-as. Em um extrato do livro "A Rosa dos Mistérios" Abuláfia diz: "Através das combinações de letras e da meditação, tive várias experiências."
   O que mais impressiona em relação a profecia sem dúvida são os relatos sobre os "milagres". O profeta Elias fez fogo cair dos céus para consumir uma oferenda, profetizou acertadamente sobre de que maneira certos indivíduos morreriam, fez fogo cair dos céus contra os que foram enviados para levá-lo ao rei, foi alimentado por dias no deserto por pães que lhe eram trazidos por corvos e por fim foi "arrebatado" (a tradição afirma que ele não morreu, assim como Enoque e que continua vivo até hoje se manifestando para certos adeptos, tema pra outro futuro post). Eliseu seu discípulo realizou outros tantos feitos, multiplicando óleo e pães, fazendo ressuscitar o filho morto de uma viúva e profetizando sobre o futuro do rei de Israel em relação aos inimigos militares. Jesus reproduziu muitos desses milagres e ainda maiores para espanto dos seus contemporâneos. Ilustração representado o profeta Elias sendo alimentado pelos corvos:

   Ilustração representando o profeta Eliseu ressuscitando o filho da viúva:


   O estado de profecia é um estado mental diferente do estado mundano comum, é um estado especial no qual o indivíduo está apto a ver o que não se enxerga no plano físico comum, um estado de união com a mente divina. Mas para provar que existem sim métodos para se alcançar um estado próximo a esse vou citar dois exemplos. Um deles é relacionado ao profeta Elias. No comentário de Aryeh Kaplan do livro "Sêfer Yetsirá" versão GRA capítulo 1 terceira parte há um trecho que diz: "na circuncisão da língua e na circuncisão do membro". Kaplan comenta sobre o significado mais profundo da circuncisão, a retirada do prepúcio a pele que envolve a glande do pênis de acordo com a tradição judaica iniciada por Abraão. Ele fala sobre a canalização da energia sexual para propósitos mais elevados e diz que uma das posturas mais usadas para propósitos meditativos avançados pelo profeta Elias era colocar a cabela entre os joelhos, assim ele concentrava a energia espiritual oriunda da energia do órgão sexual. Está no primeiro livro de Reis cap. 18 versículo 42:

   "Voltou Acab para comer e beber, enquanto Elias subiu ao cimo do monte Carmelo, onde se encurvou por terra, pondo a cabeça entre os joelhos."

   Dentro do contexto da narrativa, Elias fez isso para saber se iria chover, após uma seca que durava anos na região. Tal como ele previu, assim aconteceu, mesmo que naquele momento houvesse apenas uma minúscula nuvem nos céus. Outro exemplo de método usado para se induzir a esse estado mental é relacionado ao profeta Eliseu. Os reis de Israel marchavam contra o rei de Moab, mas faltou água para os homens e para os animais de montaria, por isso eles procuraram Eliseu que estava ali perto. Eliseu pediu que um tocador de harpa viesse até ele. A indução a estados mentais elevados pela música é bem conhecida de outras tradições. Esse relato está no Segundo Livro de Reis cap. 3 versículo 15:

   "'Mas agora trazei-me um tocador de harpa'. Apenas fez o tocador vibrar as cordas, veio a mão do Senhor sobre Eliseu."

   Essa expressão "veio a mão do Senhor" sobre fulano é carregada de significado mais profundo como o Zohar e o Midrash em muitos pontos explicam essas muitas expressões bíblicas que costumam passar despercebidas pela maioria dos leitores. Assim, encerro esse post falando sobre o estado de profecia um estado mental especial que pode ser induzido se o adepto seguir certas técnicas. 

sábado, 11 de agosto de 2018

O  GOLEM  NO  MISTICISMO  JUDAICO

   Olá pessoal! Aproveitando o gancho do post anterior sobre o Sêfer Yetsirá, nesse vou falar sobre o "golem" um tipo de "servidor" místico criado do barro e animado pelo adepto. 
   Existem muitas referências desencontradas e exageradas sobre esse tema acredito que em grande parte porque o golem é um tipo de arquétipo do inconsciente coletivo assim como vampiros, e as pessoas são muito inclinadas a romancear esses assuntos, mas, para ter uma noção bem embasada sobre os princípios relativos ao golem recomendo que busquem no meu livro "O Conhecimento da Cabala" link á direita do blog, onde expliquei de modo claro baseado nas minhas pesquisas.
   A palavra "golem" significa "matéria-prima" em hebraico, sua raiz é a mesma da palavra "adam" que significa "terra vermelha" ou "argila" em hebraico. A maioria dos que começam a pesquisar esse assunto acabam encontrando logo de início a tradição que diz que o rabino Judá Loew ben Betsalel também conhecido como Maharal de Praga (1525-1609) criou um golem para proteger o gueto judeu de Praga, República Tcheca (na época chamada Morávia) dos ataques de anti-semitas. Quanto ao fim desse golem algumas narrativas dizem que ele saiu do controle e foi desativado pelo Maharal, outras dizem que ele desativou a criatura com calma após perceber que não era mais necessária e já tinha cumprido seu propósito. Veremos adiante mais sobre o Maharal. 
   Um trabalho que eu recomendo para quem deseja se aprofundar nesse tema é o livro "Golem-Jewish Magical and Mystical Traditions" de Moshe Idel, pesquisador judeu de origem romena nascido em 1947. Quando passou pela Universidade Hebraica de Israel Idel estudou com Gershom Scholem amplamente reconhecido como o maior especialista em textos e tradições judaicas da era moderna. A tese de doutorado de Idel foi sobre Abraham Abuláfia (1240-1291) um dos maiores cabalistas do passado. Posteriormente Idel publicou vários livros sobre temas relacionados ao misticismo judaico. Foto de Idel:
   
  O livro dele sobre o golem:

  Embora o golem seja ligado a tradição judaica e ao livro Sêfer Yestisrá, existem paralelos em várias outras tradições. Um desses paralelos são os "uchebts" do antigo Egito, estátuas que eram colocadas nos túmulos e impregnadas com um tipo de "vivificação" para teoricamente servirem ao morto no além, eram os "servidores" projetados para ajudarem os mortos. O conceito de "servidor" é bastante conhecido do pessoal da "magia do caos" são entidades criadas astralmente e energizadas pelo adepto para cumprirem determinadas tarefas, trata-se de uma técnica antiga, pois também o Frabato (Frantishek Von Bardon 1909-1958) mencionou técnicas semelhantes em seu livro "Magia Prática-O Caminho do Adepto" nessas o adepto escolhe um objeto para "fixar" a essência do servidor criado. Outro paralelo é a "cabeça falante", já haviam técnicas assim no Antigo Egito. Tal feito foi realizado por Alberto Magno (1193-1280) conhecido monge alemão muito afeito as ciências ocultas. Após "fixar" o espírito na cabeça inanimada, essa começou a falar muitas coisas indiscretas, o que levou seu discípulo Thomás de Aquino a fazê-la em pedaços. Assim fica claro que técnicas semelhantes existem em outras tradições fora da judaica.
   A criação do golem está intimamente ligada ao livro Sêfer Yetsirá, porém, esse não é o principal objetivo do Sêfer Yetsirá, é um "subproduto". A criação do golem pelo adepto era considerado a prova de que ele dominou perfeitamente todo conteúdo da obra e também uma prova de grande sabedoria e santidade. Mas longe de servir para propósito de vaidade, a criação do golem físico e animado só deve ser tentada em determinadas circunstâncias e com permissão do alto. 
   Eu já havia mencionado em outro post intitulado "O CONHECIMENTO INICIÁTICO DE ABRAÃO" que certas interpretações rabínicas do trecho de Gênesis dão conta que Abraão "criou" servidores em Harã e depois foi para Canaã. Trata-se de uma interpretação bastante obscura. Outra tradição diz que Abraão estudou com o enigmático personagem Melquisedek para conseguir realizar tal feito. Outra diz que Abraão estava interessado em explorar os mistérios do Sêfer Yetsirá mas foi advertido por Deus de que não deveria tentar fazê-lo sozinho, por isso ele estudou três anos com Sem filho de Noé que ainda estava vivo e conhecia segredos antigos. Um trecho do Talmud diz que o rabino Rava (299 d.C-353 d.C) quis estudar o Sêfer Yetsirá sozinho mas foi advertido pelo rabino Zeira que não deveria fazê-lo sozinho e os dois o estudaram juntos por três anos. Quando dominaram o texto criaram o bezerro e abateram-no para comê-lo em comemoração, mas tal ato era pura vanglória tola por isso eles perderam suas habilidades especiais e tiveram que trabalhar duro por mais três anos para recuperar tais capacidades. Outro trecho do Talmud diz que Rava criou um "homem" e o enviou a Zeira, mas como ele não era capaz de falar em resposta a Zeira, esse percebeu que era um golem e disse: "-Vejo que você foi criado por um de nossos companheiros, retorne ao pó." e desativou o golem. Embora raro na tradição cabalística escrita, existe sim algumas descrições de métodos de criação de golem, uma foi feita pelo rabino cabalista Eleazar de Worms (1176-1238) em seu livro "Perush 'al Sêfer Yetsirá" que são comentários ao tradicional tratado cabalista. Esse livro foi republicado em Mântua na Itália em 1562. Outra descrição escrita para a criação do golem foi feita pelo rabino Naftali Bacharach do séc. XVII em seu livro Emec HaMélech. Aryeh Kaplan em sua versão comentada do Sêfer Yetsirá registra dois trechos em hebraico de instruções para a criação de um golem do rabino Eliezer Rokêach e do livro Emec HaMélech.
   No meu livro "O Conhecimento da Cabala" eu descrevi como seria a hipotética técnica para a criação do golem de acordo com os comentários de Aryeh Kaplan. Antes de mais nada deve haver uma motivação justa e pura da parte dos adeptos. Não se deve tentar sozinho essa tarefa mas acompanhado de outro adepto. Há as purificações, orações e jejuns semelhantes as recomendadas aos interessados em evocações ritualísticas de espíritos vulgo "magia cerimonial". A terra usada da fabricação do corpo do golem deve ser virgem, nunca usada pra outro propósito e a água deve ser direto de uma fonte e não deve ter permanecido em um recipiente por longo tempo. O corpo do golem hipotético deve ser moldado pelos adeptos, e o "corpo astral" dele deve ser criado pelos adeptos através das permutações de letras indicadas pelo Sêfer Yetsirá e enxertado no corpo físico da criatura. Há a possibilidade da criação de um golem feminino também mediante a observação de detalhes específicos. Assim é teoricamente dado a vida a criatura.
   Voltando ao já citado Maharal de Praga, esse é o mais conhecido das tradições relativas ao golem. Praga na República Tcheca da época dele era uma cidade que respirava misticismo, haviam postulantes a alquimistas, astrólogos, e cabalistas por toda parte. Mas a história de que ele teria criado o golem só apareceram registradas em coletâneas de histórias populares em alemão no séc. XIX por isso há muitas dúvidas. Certamente o Maharal era um conhecedor da cabala, ele cita certos elementos de misticismo em seus livros embora não sejam exclusivamente de misticismo. Segundo uma das narrativas, o gueto de judeus de Praga estava sofrendo ataques das pessoas que acreditavam que os rabinos sacrificavam crianças cristãs em suas celebrações. O Maharal teve um sonho a noite relacionado as letras e compreendeu seu significado. Junto com seu discípulo e seu genro eles se prepararm, se purificaram e pegaram barro do rio Modava que corta Praga. Ao concluir a criação do Golem o Maharal disse ao golem que ele se chamaria Yossl e que fora criado para obedecer estritamente suas ordens nada mais, e então o vestiram com roupas normais. O golem passava como um homem comum sem chamar atenção, apenas não respondia as perguntas dos outros, por isso os moradores de Praga o chamaram de "Yossl, o mudo". Quando o Maharal achava que ele deveria intervir para ajudar um judeu vítima de perseguição dava-lhe ordens e esse as cumpria. Por fim, após alguns anos, o Maharal concluiu que ele tinha cumprido seu papel e desativou o golem em um lugar oculto. Outras narrativas mais extravagantes dizem que o golem saiu do controle e foi desativado ás pressas. O Maharal soube que um antepassado seu já tinha criado um golem também. Estátua do Maharal em Praga representando ele com o golem moldado:

   O resto são romances que caíram no gosto popular. Como o golem é um tipo de servidor trazido á vida pelo adepto, é usado como arquétipo de "vida artificial" como no caso do homúnculo citado pelo alquimista Paracelso. Também o Frankstein de Mary Shelley deve ter sido em parte baseado no golem. A própria narrativa bíblica da criação de Adão faz dele (ou nós) como um tipo de golem. Em 1920 foi lançado um filme "Der Golem, Wie Er In Die Welt Kam" em que o diretor mesmo interpretou o golem, bem estereotipado tal obra, imagem do filme:

  O episódio 15 da quarta temporada da série "Arquivos X" gira em torno de um golem criado por um judeu para se vingar das pessoas que mataram seu genro. Nesse episódio é mencionado o Sêfer Yetsirá que foi colocado na cabeceira do corpo do falecido genro e pega fogo quando os agentes do FBI o pegam:

  Tem aquele jogo de palavras "emet" e "emt" escrito em hebraico que desativa o golem quando uma letra é apagada:

   E o golem desse episódio tem a aparência igual a do falecido genro do judeu, ele se parece mais com um zumbi ou Frankenstein! Ficou bem tosco!:

   No quarto episódio da décima oitava temporada da animação "Os Simpsons" também aparece um golem. Nesse episódio ele estava sendo guardado pelo Krusty o palhaço (que é judeu askenazi) e o Bart se apropria dele. Krusty conta que esse golem tinha sido criado por rabino de Praga em 1600 para ajudar contra a perseguição dos judeus, clara referência ao Maharal. Veja a cena da criação desse golem:

   O visual desse golem dos Simpsons é exatamente o mesmo do golem do filme alemão de 1920. Note uma esfera armilar e um diagrama da árvore da vida ao fundo da imagem acima.
   Também há um golem no décimo terceiro episódio da oitava temporada do seriado Sobrenatural ("Supernatural" em inglês). Nesse episódio o golem foi criado na época da Segunda Guerra Mundial por uma sociedade secreta de judeus para combater a Sociedade Thule (que realmente existiu). O golem do seriado Sobrenatural:

   A sociedade Thule no seriado:

   Tanto nesse golem de Sobrenatural quanto no dos Simpsons é retratado que as ordens eram dadas ao golem através de pergaminhos colocados na boca dele (no do Sobrenatural é dito que aquele que o controla deve escrever seu nome no pergaminho):

   Concluindo, os romancistas adoraram explorar o tema do golem e ainda o fazem. É mais um caso em que um fragmento de conhecimento oculto cai no gosto das massas e é apresentado de maneira bem deturpada.


quinta-feira, 2 de agosto de 2018

O  SÊFER  YETSIRÁ

   Olá a todos! Nesse post vou falar um pouco sobre o mais antigo e também misterioso texto base dos conceitos cabalísticos o "Sêfer Yetsirá" ás vezes grafado como Sêfer Ietsirah (significa "Livro da Formação" ou "Livro da Criação").
   O texto em si é pequeno seja qual for a versão, pois existem várias, e a data em que surgiu e quem o escreveu são desconhecidos. Na verdade se enveredar pelas muitas especulações e lendas que cercam esse livro pode ser um caminho labiríntico e confuso, levando o pesquisador a pistas nem sempre conclusivas, mas, ainda assim constitui uma tarefa tentadora, por vezes mais interessante do que se aprofundar no texto em si e os ensinamentos que ele encerra.
   Seguindo antigas tradições, muitos cabalistas creditam como sendo seu autor o patriarca Abraão e no fim do texto comumente se declara que foi feito por Abraão. Para saber mais sobre os atributos ocultos desse patriarca recomendo aos leitores darem uma olhada em outro post desse mesmo blog intitulado "O CONHECIMENTO INICIÁTICO DE ABRAÃO". Se se considerar Abraão como seu autor então sua data remonta a cerca de 2600 a.C, é uma antiguidade respeitável. Entretanto, as classificações das letras hebraicas presentes no texto e as letras em si são relativamente modernas o que exclui Abraão como seu autor pois esse desconhecia essas letras hebraicas "modernas". Mas pode-se especular que ele tivesse um conhecimento de técnicas semelhantes as descritas nesse livro, e que tal conhecimento pertencesse a outros grupos de ocultistas da época dele. 
   Algumas fontes sugerem que esse livro já fosse conhecido na época em que foi formulado o Talmud, meados do séc. II d.C. e que o texto semelhante as versões atuais tenha sido elaborado por um rabino daquele período (há quem acredite que seu verdadeiro autor seja o rabi Akiva). Existem comentários relativos a esse texto do séc. VI e manuscritos dele datando do séc. X. Sua antiguidade, portanto, é coisa comprovada.
   Como ele circulou por muito tempo apenas como manuscrito, existiram muitas versões dele, algumas até mesmo com conteúdo que não se alinham umas com as outras. Mas atualmente existem quatro versões que são mais levadas em consideração pelos cabalistas são elas: Versão Curta (a mais antiga), Versão Longa, Versão Saadia (denominada dessa forma por ser atribuída da Saadia Gaon 892-943 d.C. um dos líderes da escola rabínica da Babilônia na época) e Versão Gra (essa versão é resultado da edição de Moisés Cordovero conhecido como RAMAC 1522-1570 d.C. que reuniu as melhores versões que teve acesso. Depois tal versão passou pela revisão de Isaac Luria conhecido como ARI 1534-1572 d.C. e por fim passou pela revisão do Gaon de Vilna conhecido como GRA 1720-1797 d.C. por isso essa versão ás vezes é conhecida como versão "Gra-Ari"). 
   Sobre o conteúdo da obra, o Sêfer Yetsirá geralmente tem seis capítulos (exceto a versão Saadia que tem oito capítulos) logo nos primeiros se apresenta vários fundamentos da cabala e menção a séfiras. Há uma alusão a classificação das letras hebraicas em várias categorias e é feita associação delas a certos elementos e astros. Muitos trechos são claramente revisões de assuntos já mencionados em trechos anteriores. Nos últimos trechos há um enfoque a astrologia e menção ao "Teli" cujo verdadeiro significado permanece em aberto permitindo múltiplas interpretações embora as mais aceitas sugiram que se refere a constelação de Draco. O texto em si pode ser confuso para quem se propõe a estudá-lo sem nenhuma orientação. Na verdade o que confere embasamento para o estudante que inclusive queira levar alguma referência do texto para a prática são os comentários dos cabalistas, ter o texto "cru" sem comentários equivale a ter uma arma de fogo sem as balas. A versão que eu mais recomendo é a versão comentada de Aryeh Kaplan (1934-1983) publicada pela editora Sêfer:
   Essa edição apresenta o texto em hebraico da versão GRA e comentários referentes a essa versão além do texto das outras versões Curta, Longa e Saadia. Kaplan apresenta comentários embasados nos textos e ensinamentos mais tradicionais do judaísmo, é uma edição admirável. Quanto ao propósito das técnicas aludidas no texto esses são muitos. Mesmo se o pesquisador quiser consultar versões mais antigas em inglês como as do fim do séc. XVII e XIX encontrará variações assim como também nas muitas versões em hebraico. O ideal é o adepto se apoiar em uma só versão para embasar suas práticas, pois, elas podem induzir a caminhos contraditórios como por exemplo na parte em que se projeta um cubo hipotético com as 22 letras hebraicas ocupando cada uma uma área do cubo, a posição das letras está em locais diferentes nas várias versões. Cada texto do Sêfer Yetsirá é um sistema completo, tentar conciliar as variações das várias versões pode não dar certo e não servir como embasamento, apenas gerar um amontoado de insinuações pseudo-místicas confusas e sem propósito. 
   A prática mais lembrada relacionada a esse texto e também a mais espantosa é relativa a criação do "golem" um tipo de servidor animado criado a partir do barro. Entretanto, todas as fontes dizem que essa não é a principal finalidade do texto, apenas um exemplo de seu uso realizado com sucesso pelo adepto que domina seu conteúdo. Além disso, existem muitas técnicas que fazem paralelo de tal realização sem qualquer relação com o Sêfer Yetsirá. O próprio conceito de golem possui paralelos em muitas outras tradições e não é exclusividade do Sêfer Yetsirá ou da tradição judaica embora o caso mais conhecido de tal feito seja atribuído ao rabino Judá Loew ben Betsalel conhecido como Maharal de Praga (1512-1609). A atribuição da criação do golem pelo Maharal só apareceu registrada em histórias escritas em alemão no séc. XIX e aquele período em que ele viveu era uma época de muito misticismo, Praga na República Tcheca em especial era um centro de esoterismo estando repleta de astrólogos, cabalistas e aspirantes a alquimistas. Demanda outra pesquisa mais aprofundada registrar as menções ao golem na tradição judaica que remontam ao patriarca Abraão e passam pelos grandes rabinos, mas, abordarei esse assunto em outro post futuro. Seja como for, as lendas relativas ao golem caíram no gosto das gerações modernas e ele acabou virando um "ícone pop" presente em muitas obras de ficção modernas, o que também é matéria para próxima postagem.
   Concluíndo, longe de ser um texto com apenas uma finalidade, o Sêfer Yetsirá apresenta muitos princípios cabalísticos e indicação de várias técnicas para se pôr em prática. Algumas dessas técnicas podem ser extremamente complexas como a combinação vocalizada das 22 letras hebraicas combinadas ao Tetragrama e outras que levariam horas para serem concluídas. Tão complexo como esse exemplo é o chamado 231 portões que consiste na visualização das 22 letras dispostas em um círculo para ser visualizado tridimensionamente com as letras de pé e ligando-as entre si por linhas retas. Tais técnicas podem gerar um tremendo potencial, mas, sem orientação e foco tais práticas podem não levar a nada ou causar prejuízo ao praticante. O que o texto oferece são ferramentas e fundamentos que para os adeptos esclarecidos são como verdadeiras dádivas e tratados com grande reverência.   
   

domingo, 29 de julho de 2018

O  QUE  É  A  "ÁRVORE  DA  VIDA"?

   Olá pessoal! Vou falar nesse post sobre um diagrama que costuma ser reconhecido até pelos leigos como estando relacionado a cabala, o diagrama conhecido como "árvore da vida".
   Existem inúmeras variações desse diagrama, mas a mais simples é a forma de dez bolinhas (chamadas de "séphirot" embora eu costume usar mais o termo "séfiras") ligadas por "caminhos" e algumas representações desse diagrama apresentam uma décima primeira séfira representada oculta chamada "daath". Eu escolhi uma forma bem simples desse diagrama para a capa do meu livro veja:
   Não se sabe ao certo qual a origem desse diagrama. Alan Moore em sua pesquisa para um livro tipo "grimório" disse que os gregos seguidores de Pitágoras já conheciam a árvore da vida porém com apenas sete séfiras e que os judeus acrescentaram mais três para formar dez que é um número mais significativo para eles pois está relacionado aos dez mandamentos. O que se sabe é que esse conhecimento permaneceu preservado apenas oralmente e durante muito tempo ninguém escreveu sobre isso, apenas em meados da Idade Média e Renascença que alguns cabalistas escreveram, publicaram e comentaram sobre a árvore da vida. 
   É possível distinguir elementos altamente significativos na forma básica desse diagrama, um deles a imagem chamada "flor da vida" é uma imagem básica na formação das formas da natureza, a flor da vida:
   Entre outros lugares da natureza, essa é a forma que surge quando as células do nosso corpo estão se dividindo após a fecundação do óvulo pelo espermatozóide. Em uma imagem ampliada formada por várias flores da vida lá se torna visível facilmente uma estrutura da árvore da vida, veja:
   Especula-se que os nomes das séfiras tenham sido extraídos da Torá quando nela se menciona termos como "fundamento" (séfira "yessod"), entendimento (séfira "chocmá") ou reino (séfira "malcut"). Um dos trabalhos responsáveis por tornar a árvore da vida, as séfiras e os "nomes divinos" relacionados ás séfiras públicos é o livro "Portões de Luz" do rabino cabalista Josef Gikatalia (1248-1323) tal livro foi um dos primeiros a difundir princípios cabalísticos ao grande público, foi publicado em latim e influenciou muitos cabalistas cristãos, capa dele:
   Gikatalia estudou com Abraham Abuláfia (1240-1291) um dos maiores cabalistas e Abuláfia elogia a inteligência de Gikatalia em um de seus escritos. Na minha opinião, um dos melhores trabalhos que explicam as muitas formas de se aplicar os conceitos do diagrama da árvore da vida é o livro "A Árvore da Vida" de Shimon Halevi:
   Uma das aplicações desse diagrama é como método de implantação, refinamento e uso otimizado de qualquer projeto. Concebe-se uma ideia qualquer e aplica-se esse projeto no diagrama começando pela séfira mais baixa "malcut" e então vai se aperfeiçoando esse conceito subindo e passando pelas outras séfiras até que se atinge o aperfeiçoamento dessa ideia e se manifesta ela da melhor maneira possível em nosso plano material. Alguns conceitos básicos desse diagrama (para explicações mais aprofundadas recomenda-se os livros citados) é que a árvore tem basicamente três pilares, cada pilar representa um princípio e as séfiras de cada um desses pilares estão alinhadas com esse princípio. O pilar da direita representa a "misericórdia" o desejo de compartilhar, o pilar da esquerda representa a "severidade" a auto-crítica e o pilar do centro representa o "equilíbrio" entre o desejo de compartilhar e de se acumular para si. Como cada séfira representa um princípio, é possível fazer muitas associações á cada uma delas como associá-las a deuses pagãos por exemplo por causa dos aspectos de cada uma. Tradicionalmente cada uma delas é associada a um "nome de Deus" em hebraico como "Adonai", "Eloim" e outros. Outros atributos das séfiras é a cores distintas, astros relacionadas a característica de cada uma, e inclusive os "caminhos" também chamados "túneis" que ligam as séfiras a cada um é associado uma das 22 letras hebraicas. Interpretações modernas também associam cada uma das 22 cartas do tarô á esses caminhos. Essa ilustração mostra todos vários desses atributos do diagrama:
   Abuláfia havia notado uma mistificação exagerada desse diagrama semelhante a uma quase idolatria dizia: "-Os cristãos acreditam nos três (conceito de "Trindade") e os outros acreditam nos dez (as séfiras)." Mais do que isso, ele dizia que os conceitos da árvore da vida e os conceitos relacionados ao livro "Sefêr Yetsirá" eram escolas diferentes, assim, havia uma "cabala das séfiras" e uma "cabala das letras". Entretanto, isso não significa que ele descartasse os conceitos da árvore da vida, ele entendia que poderiam ser usados como uma escala para se atingir estados meditativos específicos, dos mais baixos até os mais elevados. 
   Como tudo no universo possui um lado positivo e um lado negativo, também a árvore da vida possui uma versão negativa, é a chamada "árvore da morte" onde são consideradas os aspectos negativos das séfiras. Esse sistema é o usado na ordem esotérica "Dragon Rouge" é a chamada "cabala draconiana", veja os nomes associados as séfiras nesse sistema:
   Na Dragon Rouge os adeptos são estimulados a encararem seus próprios aspectos negativos e com responsabilidade ao invés de os reprimirem. Para saber mais sobre esses conceitos da cabala draconiana recomendo o livro "A Cabala Draconiana" escrito por Adriano Camargo Monteiro, brasileiro que atingiu graus elevados na Dragon Rouge:
   Muitas são as interpretações e aplicações da árvore da vida, novamente recomendo aos interessados que estudem as obras citadas e se aprofundem nelas para compreenderem melhor os conceitos e interpretações da árvore da vida.