sábado, 11 de agosto de 2018

O  GOLEM  NO  MISTICISMO  JUDAICO

   Olá pessoal! Aproveitando o gancho do post anterior sobre o Sêfer Yetsirá, nesse vou falar sobre o "golem" um tipo de "servidor" místico criado do barro e animado pelo adepto. 
   Existem muitas referências desencontradas e exageradas sobre esse tema acredito que em grande parte porque o golem é um tipo de arquétipo do inconsciente coletivo assim como vampiros, e as pessoas são muito inclinadas a romancear esses assuntos, mas, para ter uma noção bem embasada sobre os princípios relativos ao golem recomendo que busquem no meu livro "O Conhecimento da Cabala" link á direita do blog, onde expliquei de modo claro baseado nas minhas pesquisas.
   A palavra "golem" significa "matéria-prima" em hebraico, sua raiz é a mesma da palavra "adam" que significa "terra vermelha" ou "argila" em hebraico. A maioria dos que começam a pesquisar esse assunto acabam encontrando logo de início a tradição que diz que o rabino Judá Loew ben Betsalel também conhecido como Maharal de Praga (1525-1609) criou um golem para proteger o gueto judeu de Praga, República Tcheca (na época chamada Morávia) dos ataques de anti-semitas. Quanto ao fim desse golem algumas narrativas dizem que ele saiu do controle e foi desativado pelo Maharal, outras dizem que ele desativou a criatura com calma após perceber que não era mais necessária e já tinha cumprido seu propósito. Veremos adiante mais sobre o Maharal. 
   Um trabalho que eu recomendo para quem deseja se aprofundar nesse tema é o livro "Golem-Jewish Magical and Mystical Traditions" de Moshe Idel, pesquisador judeu de origem romena nascido em 1947. Quando passou pela Universidade Hebraica de Israel Idel estudou com Gershom Scholem amplamente reconhecido como o maior especialista em textos e tradições judaicas da era moderna. A tese de doutorado de Idel foi sobre Abraham Abuláfia (1240-1291) um dos maiores cabalistas do passado. Posteriormente Idel publicou vários livros sobre temas relacionados ao misticismo judaico. Foto de Idel:
   
  O livro dele sobre o golem:

  Embora o golem seja ligado a tradição judaica e ao livro Sêfer Yestisrá, existem paralelos em várias outras tradições. Um desses paralelos são os "uchebts" do antigo Egito, estátuas que eram colocadas nos túmulos e impregnadas com um tipo de "vivificação" para teoricamente servirem ao morto no além, eram os "servidores" projetados para ajudarem os mortos. O conceito de "servidor" é bastante conhecido do pessoal da "magia do caos" são entidades criadas astralmente e energizadas pelo adepto para cumprirem determinadas tarefas, trata-se de uma técnica antiga, pois também o Frabato (Frantishek Von Bardon 1909-1958) mencionou técnicas semelhantes em seu livro "Magia Prática-O Caminho do Adepto" nessas o adepto escolhe um objeto para "fixar" a essência do servidor criado. Outro paralelo é a "cabeça falante", já haviam técnicas assim no Antigo Egito. Tal feito foi realizado por Alberto Magno (1193-1280) conhecido monge alemão muito afeito as ciências ocultas. Após "fixar" o espírito na cabeça inanimada, essa começou a falar muitas coisas indiscretas, o que levou seu discípulo Thomás de Aquino a fazê-la em pedaços. Assim fica claro que técnicas semelhantes existem em outras tradições fora da judaica.
   A criação do golem está intimamente ligada ao livro Sêfer Yetsirá, porém, esse não é o principal objetivo do Sêfer Yetsirá, é um "subproduto". A criação do golem pelo adepto era considerado a prova de que ele dominou perfeitamente todo conteúdo da obra e também uma prova de grande sabedoria e santidade. Mas longe de servir para propósito de vaidade, a criação do golem físico e animado só deve ser tentada em determinadas circunstâncias e com permissão do alto. 
   Eu já havia mencionado em outro post intitulado "O CONHECIMENTO INICIÁTICO DE ABRAÃO" que certas interpretações rabínicas do trecho de Gênesis dão conta que Abraão "criou" servidores em Harã e depois foi para Canaã. Trata-se de uma interpretação bastante obscura. Outra tradição diz que Abraão estudou com o enigmático personagem Melquisedek para conseguir realizar tal feito. Outra diz que Abraão estava interessado em explorar os mistérios do Sêfer Yetsirá mas foi advertido por Deus de que não deveria tentar fazê-lo sozinho, por isso ele estudou três anos com Sem filho de Noé que ainda estava vivo e conhecia segredos antigos. Um trecho do Talmud diz que o rabino Rava (299 d.C-353 d.C) quis estudar o Sêfer Yetsirá sozinho mas foi advertido pelo rabino Zeira que não deveria fazê-lo sozinho e os dois o estudaram juntos por três anos. Quando dominaram o texto criaram o bezerro e abateram-no para comê-lo em comemoração, mas tal ato era pura vanglória tola por isso eles perderam suas habilidades especiais e tiveram que trabalhar duro por mais três anos para recuperar tais capacidades. Outro trecho do Talmud diz que Rava criou um "homem" e o enviou a Zeira, mas como ele não era capaz de falar em resposta a Zeira, esse percebeu que era um golem e disse: "-Vejo que você foi criado por um de nossos companheiros, retorne ao pó." e desativou o golem. Embora raro na tradição cabalística escrita, existe sim algumas descrições de métodos de criação de golem, uma foi feita pelo rabino cabalista Eleazar de Worms (1176-1238) em seu livro "Perush 'al Sêfer Yetsirá" que são comentários ao tradicional tratado cabalista. Esse livro foi republicado em Mântua na Itália em 1562. Outra descrição escrita para a criação do golem foi feita pelo rabino Naftali Bacharach do séc. XVII em seu livro Emec HaMélech. Aryeh Kaplan em sua versão comentada do Sêfer Yetsirá registra dois trechos em hebraico de instruções para a criação de um golem do rabino Eliezer Rokêach e do livro Emec HaMélech.
   No meu livro "O Conhecimento da Cabala" eu descrevi como seria a hipotética técnica para a criação do golem de acordo com os comentários de Aryeh Kaplan. Antes de mais nada deve haver uma motivação justa e pura da parte dos adeptos. Não se deve tentar sozinho essa tarefa mas acompanhado de outro adepto. Há as purificações, orações e jejuns semelhantes as recomendadas aos interessados em evocações ritualísticas de espíritos vulgo "magia cerimonial". A terra usada da fabricação do corpo do golem deve ser virgem, nunca usada pra outro propósito e a água deve ser direto de uma fonte e não deve ter permanecido em um recipiente por longo tempo. O corpo do golem hipotético deve ser moldado pelos adeptos, e o "corpo astral" dele deve ser criado pelos adeptos através das permutações de letras indicadas pelo Sêfer Yetsirá e enxertado no corpo físico da criatura. Há a possibilidade da criação de um golem feminino também mediante a observação de detalhes específicos. Assim é teoricamente dado a vida a criatura.
   Voltando ao já citado Maharal de Praga, esse é o mais conhecido das tradições relativas ao golem. Praga na República Tcheca da época dele era uma cidade que respirava misticismo, haviam postulantes a alquimistas, astrólogos, e cabalistas por toda parte. Mas a história de que ele teria criado o golem só apareceram registradas em coletâneas de histórias populares em alemão no séc. XIX por isso há muitas dúvidas. Certamente o Maharal era um conhecedor da cabala, ele cita certos elementos de misticismo em seus livros embora não sejam exclusivamente de misticismo. Segundo uma das narrativas, o gueto de judeus de Praga estava sofrendo ataques das pessoas que acreditavam que os rabinos sacrificavam crianças cristãs em suas celebrações. O Maharal teve um sonho a noite relacionado as letras e compreendeu seu significado. Junto com seu discípulo e seu genro eles se prepararm, se purificaram e pegaram barro do rio Modava que corta Praga. Ao concluir a criação do Golem o Maharal disse ao golem que ele se chamaria Yossl e que fora criado para obedecer estritamente suas ordens nada mais, e então o vestiram com roupas normais. O golem passava como um homem comum sem chamar atenção, apenas não respondia as perguntas dos outros, por isso os moradores de Praga o chamaram de "Yossl, o mudo". Quando o Maharal achava que ele deveria intervir para ajudar um judeu vítima de perseguição dava-lhe ordens e esse as cumpria. Por fim, após alguns anos, o Maharal concluiu que ele tinha cumprido seu papel e desativou o golem em um lugar oculto. Outras narrativas mais extravagantes dizem que o golem saiu do controle e foi desativado ás pressas. O Maharal soube que um antepassado seu já tinha criado um golem também. Estátua do Maharal em Praga representando ele com o golem moldado:

   O resto são romances que caíram no gosto popular. Como o golem é um tipo de servidor trazido á vida pelo adepto, é usado como arquétipo de "vida artificial" como no caso do homúnculo citado pelo alquimista Paracelso. Também o Frankstein de Mary Shelley deve ter sido em parte baseado no golem. A própria narrativa bíblica da criação de Adão faz dele (ou nós) como um tipo de golem. Em 1920 foi lançado um filme "Der Golem, Wie Er In Die Welt Kam" em que o diretor mesmo interpretou o golem, bem estereotipado tal obra, imagem do filme:

  O episódio 15 da quarta temporada da série "Arquivos X" gira em torno de um golem criado por um judeu para se vingar das pessoas que mataram seu genro. Nesse episódio é mencionado o Sêfer Yetsirá que foi colocado na cabeceira do corpo do falecido genro e pega fogo quando os agentes do FBI o pegam:

  Tem aquele jogo de palavras "emet" e "emt" escrito em hebraico que desativa o golem quando uma letra é apagada:

   E o golem desse episódio tem a aparência igual a do falecido genro do judeu, ele se parece mais com um zumbi ou Frankenstein! Ficou bem tosco!:

   No quarto episódio da décima oitava temporada da animação "Os Simpsons" também aparece um golem. Nesse episódio ele estava sendo guardado pelo Krusty o palhaço (que é judeu askenazi) e o Bart se apropria dele. Krusty conta que esse golem tinha sido criado por rabino de Praga em 1600 para ajudar contra a perseguição dos judeus, clara referência ao Maharal. Veja a cena da criação desse golem:

   O visual desse golem dos Simpsons é exatamente o mesmo do golem do filme alemão de 1920. Note uma esfera armilar e um diagrama da árvore da vida ao fundo da imagem acima.
   Também há um golem no décimo terceiro episódio da oitava temporada do seriado Sobrenatural ("Supernatural" em inglês). Nesse episódio o golem foi criado na época da Segunda Guerra Mundial por uma sociedade secreta de judeus para combater a Sociedade Thule (que realmente existiu). O golem do seriado Sobrenatural:

   A sociedade Thule no seriado:

   Tanto nesse golem de Sobrenatural quanto no dos Simpsons é retratado que as ordens eram dadas ao golem através de pergaminhos colocados na boca dele (no do Sobrenatural é dito que aquele que o controla deve escrever seu nome no pergaminho):

   Concluindo, os romancistas adoraram explorar o tema do golem e ainda o fazem. É mais um caso em que um fragmento de conhecimento oculto cai no gosto das massas e é apresentado de maneira bem deturpada.


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