domingo, 22 de setembro de 2019

O  TALMUD

   Olá a todos! Nesse post vou falar sobre o Talmud.
   Talmud significa "estudo" em hebraico, trata-se de uma coletânea composta por vários volumes separados por assuntos específicos, escritos e organizados por rabinos nos primeiros séculos da era cristã e seu conteúdo é principalmente sobre interpretações da lei judaica de acordo com a Torá, mas, também vários outros assuntos acabam sendo citados nele. O Talmud é sem dúvida alguma o segundo texto mais influente na vida dos judeus do mundo todo, só fica atrás da Torá! Foto de uma coletânea de volumes do Talmud:

   O texto do Talmud é dividido em duas partes, a chamada "mishná" (significa algo como "revisão do estudo") e a "guemará" (significa algo como "aprender por tradição"). A mishná é a parte mais antiga do texto e a guemará é a discussão e interpretação desse núcleo feita posteriormente. Os responsáveis pela redação da mishná e portanto os que começaram o Talmud foram um grupo de estudiosos rabinos conhecidos como "tanaítas" (da raiz hebraica que significa "ensinar") cujo período costuma ser determinado do início da era cristã até por volta do séc. II. O segundo grupo que continuou o Talmud e discutiu o texto da mishná que durou do séc. II até por volta do séc. IV é chamado de "amoraítas" (cuja raiz hebraica significa "intérpretes"). Comumente o texto da mishná fica no centro das páginas e a discursão e interpretação guemará fica em torno, veja um exemplo:

   Também existem  duas versões do Talmud, o chamado "Talmud Babilônico" e o "Talmud de Jerusalém". O mais considerado e estudado é o Talmud Babilônico, assim chamado por ter sido feito por uma importante academia de estudos judaicos da Babilônia, especificamente da cidade de Pumbedita (hoje em dia é um tanto ultrapassado usar o termo "Babilônia", trata-se de onde é atualmente o Iraque). As duas versões são diferentes, e há quem considere relevante também estudar o Talmud de Jerusalém. 
   Os tópicos tratados no Talmud são: 
   -preceitos relacionados a produtos agrícolas
   -preceitos sobre as festas tradicionais judaicas
   -preceitos relacionados ás leis matrimoniais e civis em geral
   -preceitos relacionados ao Templo, sacrifícios e alimentos permitidos ou não
   -preceitos relacionados ao calendário judaico, modo de cálculo dos meses e definições dos anos.

   Além de vários outros temas, tudo relacionado a como aplicar os ensinamentos da Torá.
   O mais influente personagem do Talmud é o rabi Akiva. Não se tem muitos detalhes confiáveis sobre sua vida, a maior parte é especulação ou tradições duvidosas. Sugere-se que ele era anteriormente um feroz adversário e crítico dos rabinos e seus estudos, mas, então na casa dos 40 anos resolveu se dedicar aos estudos daquilo a que mais se opunha e ganhou destaque e renome nessa área. Também se diz que ele teria tomado parte nas revoltas contra o domínio romano, que teria sido preso e executado. Já mencionei no post sobre merkaba a tradição que diz que rabi Akiva foi o único que entrou nos planos superiores e saiu ileso enquanto seus discípulos foram afetados. É natural se supor que ele tenha tomado parte nos assuntos místicos, pois, a tradição mística era transmitida aos mais eminentes estudiosos e líderes rabinos de cada geração. Outro nome de destaque no Talmud é o Rav Zeira nascido na Babilônia que decidiu estudar em Israel. Seu domínio das técnicas meditativas lhe permitia caminhar descalço em brasas sem queimar os pés, ele testava sua capacidade uma vez a cada mês. Certa vez os outros sábios o distraíram enquanto ele fazia isso e ele acabou queimando os pés por isso foi chamado de "pequeno homem dos pés queimados". Outra história que menciona seu envolvimento com as artes místicas é a relacionada ao golem, um tipo de "andróide" do misticismo judaico. Conta-se que Rava criou um golem e o enviou ao Rav Zeira. Quando o golem chegou até Rav Zeira esse o olhou e perguntou pensando que fosse um homem normal "-O que você quer?" como o golem não respondeu, Rav Zeira percebeu que não era um homem e sim um golem e disse: "-Vejo que você foi feito por um de nossos companheiros, retorne ao pó!" e apagou o nome que mantinha o golem animado desativando-o. Outros grandes nomes citados são o rabi Irmiá, Raban Iochanán ben Zacai, rabi Iehudá Nessiá e rabi Iohanán bar Napacha. 
   Houve no passado uma perseguição contra o Talmud, a mais antiga foi uma proibição do imperador Justiniano á mishná, até aquele momento o Talmud não estava completo como hoje, estava em formação. Outra perseguição foi em 1240 na Europa. Quatro anos antes, Nicholas Donin um ex-judeu que se converteu ao cristianismo tornando-se frade entregou ao papa Gregório IX uma  denúncia contra os judeus e mais especificamente contra o Talmud. Em 1240 em Paris foi feita uma disputa pública em que teólogos cristãos disputaram com eminentes rabinos sobre os pontos do Talmud que o tornariam um livro "herético". Muitos manuscritos do Talmud foram queimados publicamente. 
   O estilo do texto do Talmud deve parecer familiar para quem já esteja acostumado com outros textos importantes da tradição judaica como o Zohar e o Bahir. Cita-se a opinião de uma rabino tal, comenta-se, depois cita-se a opinião oposta de outro rabino. Para quem não está acostumado certamente será uma leitura enfadonha, monótona e desinteressante, um texto maçante. Há mandamentos da tradição judaica que são "bíblicos" pois vem direto da Torá e outros que são "rabínicos" pois provém apenas de interpretações dos rabinos e não estão especificados na Torá. Muitos mandamentos da tradição judaica se aplicam apenas a homens, e, mulheres e crianças não tem obrigação de cumpri-los.
   Embora trate principalmente de interpretações sobre jurisprudência judaica, também aparecem no Talmud citações de coisas extraordinárias ocorridas nos tempos antigos que não foram registradas na Bíblia, foram preservadas apenas na tradição oral. Ás vezes surgem situações da vida cotidiana de alguns rabinos e até citações anedóticas. Há citações de misticismo também, mas, quem ir ao Talmud apenas em busca de ocultismo irá se decepcionar, pois, as menções são poucas e dispersas. Das edições publicadas hoje em dia, quase todas já são impressas com comentários de rodapé do erudito Rashi (rabi Shlomo Ytzhaki 1040-1105). Esse eminente rabino da França deixou como legado comentários sobre o Talmud e também sobre a Torá. Seus comentários são tidos em tão alta estima pelos judeus que diz-se que ele ajudou a terem uma visão ainda mais ampla sobre a Torá. Não há dúvida alguma, vale citar, que Rashi também foi um cabalista e seus valiosos comentários da Torá estão repletos de citações de misticismo, ele pertenceu a uma academia de estudos que lhe permitiu fazer essas interpretações. 
   Para encerrar, o Talmud é um texto de importância capital da tradição judaica, e, mesmo se o estudante não estiver interessado em lei judaica, há de considerar o valor cultural de uma obra que serve de base para as interpretações dos rabinos e que afeta diretamente a vida de milhões de judeus mundo afora, uma relíquia que sobreviveu ás eras.