domingo, 28 de julho de 2019

O  ZOHAR, O  LIVRO  DO  ESPLENDOR

   Olá a todos! Nesse post vou falar um pouco sobre o Zohar, o "livro do esplendor".
   O Zohar (termo que realmente significa "esplendor" em hebraico) é de longe o mais influente texto da cabala, quase sempre quando alguém começa a se interessar por cabala é recomendado que se leia o Zohar. Há até certos cabalistas que afirmam que quase todo conteúdo da cabala está lá no Zohar, o que eu acho um exagero. Mas que é um texto superestimado isso é evidente. 
   A história do Zohar, do seu suposto autor Shimon bar Yochai e como veio a ser publicado pelo judeu da Espanha Moisés de Leon já na Idade Média é altamente controversa. Afirma-se que o autor original do Zohar foi o rabino Shimon Bar Yochai que viveu por volta do séc. II d.C., ele foi discípulo do famoso rabi Akiva muito citado no Talmud e muito afeito ao estudo dos assuntos esotéricos. Devido a sua oposição ao governo romano -na época o imperador era Adriano- ele e seu filho Eleazar se esconderam em uma caverna em Israel onde permaneceram por treze anos. Durante esse período se dedicaram a continuar a estudar com afinco a Torá e os mistérios divinos e por isso receberam uma visão do profeta Elias e escreveram o Zohar. O conhecimento de tal texto permaneceu restrito e praticamente esquecido por mais de mil anos até vir a público através do rabino da Espanha Moisés de Leon (Moshe ben Shem Tov) no ano de 1270. Quando cópias manuscritas de de Leon começaram a circular foram recebidas com rejubilo pelos judeus, crentes de que o texto do Zohar original de Shimon bar Yochai finalmente veio á público. de Leon faleceu em 1305 e não se pôde apurar com exatidão se ele tinha realmente um manuscrito original do Zohar ou se ele escreveu de sua própria cabeça, a controvérsia persiste até hoje. Caverna em Israel onde Shimon bar Yochai e seu filho Eleazar teriam se escondido por treze anos se ocultando da perseguição dos romanos:

   No meu livro "O Conhecimento da Cabala" (link á direita) eu explorei algumas dessas teorias sobre o Zohar. Arieh Kaplan em seu livro "Meditação e Cabala" apresenta algumas teorias a respeito da origem do Zohar e investigações sobre sua autenticidade. Lá ele afirma que por volta de 138 d. C. pouco depois da morte do imperador Adriano, Shimon bar Yochai e seu filho saíram da caverna e estabeleceram uma escola de misticismo. Um seleto grupo de discípulos preservaram o texto do Zohar acrescentando alguns trechos e depois esconderam-no, que mais tarde foi parar nas mãos de de Leon por um "acaso". Uma história diz que o texto foi achado em uma caverna por um rei árabe e enviado á Espanha indo parar nas mãos de de Leon. Outra diz que o rabino Moshe ben Nachman tinha enviado esse manuscrito por navio para seu filho mas o navio se desviou e o manuscrito foi parar na posse de de Leon. Uma história ainda mais inusitada afirma que árabes da região acharam o manuscrito em uma caverna e tal acabou sendo usado para enrolar um peixe na feira, e quem comprou o peixe enrolado por esse valioso manuscrito foi de Leon! No próprio texto do Zohar se afirma que ele viria a público 1200 anos após a destruição do templo de Jerusalém, como o templo foi destruído em meados de 69. d.C. então coincidiu perfeitamente com sua publicação em 1270, Kaplan sugere até que foi proposital e que de Leon fazia parte de um grupo secreto que guardava o Zohar. Kaplan registra que o rabino Isaac de Aco se encontrou pessoalmente com Moisés de Leon que jurou que copiava do manuscrito original. Isaac quis ver o manuscrito e de Leon o convidou a vê-lo em sua casa, porém ele faleceu antes que Isaac pudesse ver o suposto manuscrito. Isaac de Aco fez muitas investigações sobre o Zohar que registrou em seu livro que sobreviveu em fragmentos de outros. Durante suas investigações ele ouviu um homem dizer que esse Zohar tinha sido escrito pelo próprio de Leon que usou o chamado "nome de escrever" uma técnica na qual o adepto escreve um "nome divino" especial na mão e essa passa a escrever "sozinha", é um tipo de "escrita automática" usado por alguns médiuns por exemplo. Depois que Moisés de Leon faleceu, esse mesmo homem que sugeriu o possível uso do "nome de escrever" sugeriu ao homem mais rico da cidade Josef de Avila a comprar o manuscrito original da viúva de de Leon por um alto preço. A esposa e filha de de Leon estavam sem condições de se sustentarem após a morte de de Leon tinham apenas as roupas do corpo e estavam prestes a perderem a casa. Josef foi até elas e sugeriu que permitisse que a filha se casasse com seu filho e que iria sustentar as duas desde que dessem a ele o manuscrito original do Zohar. A viúva respondeu que nunca houve um manuscrito original e que tudo veio da própria mente de de Leon que atribuiu o texto a Shimon bar Yochai porque assim as pessoas valorizariam e pagariam pelas cópias. Pesquisadores já afirmaram que o texto original foi escrito em aramaico, mas encontraram características na escrita semelhantes ao espanhol o que reforça a tese de que foi de Leon cuja língua cotidiana era espanhola que escreveu.
   Vejamos o que Blavatsky tem a dizer sobre o Zohar no volume V da "Doutrina Secreta":

   "Sabe-se que esse livro se perdeu, depois que os seus ensinamentos foram dados a público pela primeira vez entre os anos 70 e 110 de nossa era, ficando o seu texto disperso em alguns manuscritos menores, até o séc. XIII. É ridícula a opinião de que se tratava de uma composição de Moisés de Leon, que a fez passar por uma pseudografia de Shimon bar Yochai(...) é certo, porém, que foi Moisés de Leon quem escreveu o atual livro do Zohar, cujo sabor literário, em virtude de colaborações é mais cristão do que muitas obras propriamente desta religião(...).
   Ainda como prova de que só bem tarde conheceram os judeus o sistema esotérico do Zohar -ou, pelo menos, o haviam esquecido a tal ponto que as inovações e acréscimos introduzidos por Moisés de Leon não provocaram nenhum protesto, sendo até acolhidos com regojizo(...). Moisés de Leon que entreteve íntima correspondência com eruditos escribas cristãos da Síria e da Caudéia, põde adquirir, por intermédio deles, o conhecimento de alguns dos escritos gnósticos."

   Sendo assim, Blavatsky considerava que havia um conhecimento antigo do Zohar mas que havia sido esquecido pela maioria dos estudantes judeus, e quando esse atual Zohar veio a público através de de Leon os cabalistas judeus o acolheram quase sem protesto acreditando que o texto original de Shimon bar Yochai estava se tornando público. A controvérsia permanece.
   Com relação a seu conteúdo, o Zohar é composto por vários volumes. O estilo do texto se assemelha ás discussões rabínicas citando e comentando trechos da Torá em inúmeras partes. Também se menciona muitos outros conceitos típicos da cabala, elementos de outro texto o Bahir pode ser encontrado ali. Concordam a maioria dos estudantes que seu teor é "hermético" ou seja "velado" o que o torna difícil de ser compreendido por principiantes. Mas também é um texto disperso e não apresenta ensinamentos práticos apesar da relevãncia dos mistérios divinos ali aludidos. O grande cabalista Moisés Cordovero chamado de RAMAC(1522-1570) grande mestre da cidade de Safed antes de Isaac Luria, foi iniciado no Zohar mas não se satisfez com ele achando o conteúdo disperso, chegou até a publicar um comentário sobre o Zohar chamado "Or Iacar" ("luz preciosa") o que prova que o quanto tal texto tem relevância não é consenso entre todos cabalistas: há os que o colocam em um altíssimo patamar e há os que acham que é um texto excessivamente valorizado (como eu por exemplo). Os estudantes atuais tem concentrado seu foco nesse texto tentando encontrar nele coisas que são sugeridas por outros cabalistas, mas penso que essa busca tem sido exagerada. Mesmo assim há conteúdo cabalístico ali que faz com que o texto vala ao menos uma leitura por parte dos interessados.    

domingo, 14 de julho de 2019

MERKABAH: ASCENSÃO  ESPIRITUAL

   Olá a todos! Nesse post vou explicar alguns conceitos sobre a técnica cabalística conhecida como "merkabah".
   Tenho visto em muitos sites de conteúdo dito "holístico" desses que falam sobre "mensagens canalizadas" de "mestres ascensos" e "elevação de frequência" se apresentar a merkabah de uma maneira bastante deturpada. Nesses sites se diz que para fazer uso dessa técnica deve-se visualizar a imagem de dois tetraedros encaixados um apontado para cima e outro apontado para baixo e girando em direções opostas. Não sei se essas informações são propagadas por falta de conhecimento ou se por má fé, mas é pura desinformação! Há até pontos nesses sites que dizem que tem alguma coisa a ver com a estrela de Davi e até com a visão de Ezequiel, isso será explicado adiante.
   O termo "merkabah" significa em hebraico "carro", "veículo" e é muito conveniente pois através dessa técnica a consciência do adepto é transportada para outro plano, muito semelhante a técnica conhecida como "viagem astral" ou "desdobramento". Antes de explicar os detalhes de acordo com fontes judaicas tradicionais, eu gostaria de mencionar trechos de outros textos que dão mostras de "ascensão espiritual".
   Começando pelo livro bíblico de Jó cap.I versículos 6 a 7:

   "Um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio também Satanás entre eles. O Senhor disse-lhe: '-De onde vens tu?'. '-Andei dando volta pelo mundo (disse Satanás) e passeando por ele.'"

   Esse trecho permite várias interpretações que costumam escapar aos menos atentos. Quando o texto diz "filhos de Deus" está se referindo aos anjos, e nesse momento Satanás estava entre eles reunidos. Deus pergunta de onde ele vem e esse responde que dando volta pelo mundo. Considerando-se que a tradição diz que Satanás foi expulso do plano superior como poderia estar ele reunido aos outros anjos na presença de Deus? A explicação é que embora banido, Satanás ainda tinha meios de ascender a esse plano que outrora ele frequentou e ao qual ele pertencia originalmente assim como os outros anjos. Deus elogia Jó e isso acaba trazendo consequências severas para o mesmo submetido a duras provações, sempre que Satanás ascendia novamente até a presença divina Deus lhe dava permissão para enviar outra provação ao justo Jó, mas, a facilidade com que Satanás chegava a esse plano é o ponto que nos interessa. 
   Existe um texto conhecido como "Testamento de Salomão" pseudoepigrafado, ou seja: atribuído a outro, nesse caso a Salomão. Esse texto circulou na forma de manuscrito em grego nos primeiros séculos d.C. pela Europa. Nele, Salomão é posto em contato com outros demônios durante a construção do templo, recebe autorização divina e um anel mágico para dominá-los e os emprega em várias tarefas relacionadas á construção. Nesse texto tem um episódio que nos interessa, na época em que a rainha de Sabá estava visitando Salomão um operário velho se lançou aos pés de Salomão implorando por ajuda. O velho disse a Salomão que tinha um filho rebelde que o insultava constantemente, o agredia e ameaçava de morte. Salomão mandou chamar o filho do velho e exortou os dois a fazerem as pazes, o velho disse que preferia que o filho morresse. Nesse momento, o demônio Ornias que estava ali perto amarrado começou a rir. Salomão ficou irritado e dispensou as pessoas perguntando Ornias porque ele estava rindo. Ornias respondeu que não estava rindo dele, mas do velho que iria lamentar pois seu filho morreria dentro de três dias. Salomão mandou chamar pai e filho e celebrou uma refeição com eles para fazerem as pazes. Ao dispensá-los mandou alguém lhe avisar qual a situação deles dentro de três dias, depois perguntou a Ornias como ele sabia que o filho do velho morreria dentro de três dias. Ornias respondeu que eles os demônios podiam ascender ao céu e ouvir as conversas dos anjos, assim eles sabiam o que iria acontecer na terra com os homens. Cinco dias se passaram e Salomão se esqueceu do caso quando viu aquele mesmo velho com rosto triste e vestes de luto e perguntou á ele a causa daquilo. O velho respondeu que era porque havia três dias que seu filho havia morrido, assim Salomão confirmou que o que Ornias disse era verdade. Vejamos os detalhes reveladores dessa narrativa, primeiro vemos que o demônio Ornias disse que os demônios podiam "voar" aos céus e ouvir as conversas dos anjos sabendo assim o que iria acontecer com os homens. Isso não é nenhuma novidade para quem conhece o Alcorão. No capítulo 72 do Alcorão versículos  8 a 9 lê-se um djinn (entidade espiritual) falando:

   "E tocamos no céu, mas achamo-lo cheio de guardas poderosos e bólides (meteoros).
   E costumávamos nos sentar lá para escutar (as conversas dos anjos). Mas quem escutava encontrava um bólide á espreita."

   No Alcorão anjos vigias costumam serem chamados de "bólides" ou "meteoros", e, embora os djinns costumassem ir até lá espreitar as conversas dos anjos, eles eram perseguidos pelos anjos vigias que os perseguiam para evitar que eles propagassem qualquer informação ouvida. Em outros pontos do Alcorão se fala o mesmo mas não é necessário mencionar. O mais surpreendente no episódio de Salomão é que o demônio Ornias estava acorrentado pelo poder do anel de Salomão a autoridade que lhe fora dada sobre esses seres, e mesmo assim Ornias conseguia ascender aos planos superiores obter informações privilegiadas. A limitação do corpo não impede a ascensão a esses planos. 
   Tendo dito esses exemplos, vejamos o que madame Blavastsky tem a dizer sobre merkabah no volume V de seu livro "A Doutrina Secreta":

   "O rabino Simon Bar Yochai, compilador do Zohar, só oralmente ensinava os pontos mais importantes de sua doutrina, e ainda assim a um número limitado de discípulos. Por isso, sem a iniciação final na merkabah ficará sempre incompleto o estudo da cabala e somente se pode aprender a merkabah 'nas trevas, em um lugar deserto, e depois de muitas e terríveis provas'. Desde a morte daquele grande iniciado judeu, esta doutrina permanece um arcano inviolável para o mundo exterior."

   Nesse ponto Blavatsky enfatiza a dificuldade imposta a quem deseja aprender merkabah e o sigilo como essa técnica tem sido tratada pelos adeptos. Existe um episódio envolvendo merkabah sempre mencionado aos que desejam saber sobre isso, esse episódio envolve o rabino Akiva que viveu no primeiro séc. d.C. muito citado no Talmud e mais três de seus discípulos que quiseram praticar tal técnica. É dito que quatro pessoas entraram no Pomar (ou "Palácios"): Ben Azai, Ben Zoma, o Outro (Elisha Ben Abuia) e rabi Akiva. Ben Azai olhou fixamente e morreu. Ben Zoma olhou fixamente e desequilibrou-se mentalmente. O Outro olhou fixamente e cortou suas plantas (tornou-se herético, apóstata). Rabi Akiva entrou e saiu em paz. Os anjos também desejaram abater rabi Akiva mas o Santíssimo disse: 'Deixai este ancião em paz, pois ele é digno de fazer uso de Minha glória.' Também citado no Bahir esse episódio. 
   O erudito judeu Aryeh Kaplan (vide post anterior) menciona na sua introdução do livro Sêfer Yetsirá que os conhecimentos a respeito do Sêfer Yetsirá e os conhecimentos a respeito da markabah pertenciam a escolas esotéricas diferentes, tanto que frequentemente membros de um grupo não tinham ideia do conhecimento do outro. Ele também diz que Flávio Josefo o historiador judeu menciona que a seita dos essênios (seita que preparou o caminho para a vinda do Messias) eram mestres das artes ocultas e as ensinaram para alguns dos compiladores do Talmud, que faziam uso nomes de anjos e podiam prever o futuro através de purificações e métodos dos profetas. Conhecimento sobre nomes de anjos e o uso prático desses nomes para diversos propósitos é normalmente atribuído aos essênios. O texto no qual os cabalistas se baseiam para a prática da merkabah é os "Grandes Hechalot" ("hechalot" significa "palácios" ou "câmaras"). No livro "Meditação E Cabalá" também de Kaplan ele afirma que para a realização dessa técnica é feito uma repetição 112 vezes de "nomes divinos" e então o adepto cria um "corpo espiritual" é através desse corpo e da coerção aos anjos-chave (em especial Jofiel, "Yofiel") que o adepto se projeta ás câmaras divinas e dependendo da maturidade e do merecimento do mesmo pode frequentar os "palácios", ouvir os mistérios aí ditos e retornar em segurança. Mas a tradição diz que quanto maior as vantagens da técnica, maior a dificuldade de sua execução e perigos. Parcela considerável dos que se envolveram com essa técnica morreram. Em "Meditação E Cabalah" Kaplan cita trechos do Midrash e outros textos onde certos indivíduos se propõe a praticar tal técnica tentando obrigar certos anjos-chave através de juramentos a guiá-los em sua jornada através dos palácios, em certos casos esses anjos se vingam do praticante desgostosos por serem obrigados. Até certos trechos dos Hechalot são transcritos por Kaplan nessa obra. Outro texto semelhante aos Hechalot é o "Livro dos Segredos", já esteve disponível para venda em formato e-book no site do cabalista Yair Alon. 
   Com relação a visão de Ezequiel, Kaplan afirma em vários pontos de seus livros que foi um testemunho do profeta Ezequiel fruto de sua própria visão através da merkabah. Outras teorias mais inusitadas afirmam que na verdade a visão de Ezequiel das "criaturas viventes" e "rodas" girando em várias direções foi de seres alienígenas e suas naves:

   Poderia me estender muito mais na discussão dos textos e referências a essa técnica que são interessantíssimas, mas vou concluir pois aqui a informação deve ser compactada. As vantagens aos que praticam essa técnica são muitas, eles tem acesso a informações privilegiadas. Na biografia do grande cabalista Isaac Luria se diz que ele tinha tanta facilidade na prática da merkabah que ascendia aos planos superiores quando dormia, até mesmo nos cochilos da tarde depois do almoço (chamada popularmente de "siesta") ele ascendia. Por outro lado corre-se o risco sofrer terríveis consequências devido ao mínimo erro cometido. Permanece a merkabah então restrita aos santos e aos sábios.   
           

domingo, 7 de julho de 2019

O  GRANDE  CABALISTA  ARYEH  KAPLAN

   Olá pessoal! Nesse post vou falar resumidamente sobre a vida e realizações de um grande cabalista: Aryeh Kaplan.
   Aryeh Kaplan (ás vezes grafado como "Arieh Kaplan" em alguns livros por aqui) nasceu em 1934 e faleceu em 1983 aos 48 anos. É mais do que justa prestar reverencia a esse erudito, afinal, é graças á ele que muitos textos essenciais de conteúdo cabalístico se tornaram acessíveis ao grande público nos dias atuais, especialmente o público que não lê ou fala hebraico. Isso por si só já seria suficiente para colocá-lo em um lugar de destaque entre os cabalistas, mas, além disso ele proporcionou aos interessados uma visão ampla e verdadeira sobre a história da origem desses textos e também sobre os métodos práticos dos grandes cabalistas do passado. Sua explicação sobre as origens desses temas são fundamentadas nos textos consagrados pela tradição direto do hebraico (alguns dos quais inacessíveis a maioria por estarem restritos a coleções de cabalistas particulares ou na forma de manuscritos) e de sua experiencia com outros cabalistas judeus, por isso as informação que ele nos transmite tem sólido embasamento e servem de guia confiável aos estudantes. Um tema em especial que permeia suas principais obras é a meditação (tema entendido de maneira bastante deturpada pelo público ocidental) e as meditações cabalísticas são um caso á parte praticadas pelos adeptos do passado. Por tudo isso não é exagerado considerá-lo como um dos grandes cabalistas da nossa era moderna.
   Kaplan nasceu em Nova York no bairro do Bronx, de família judaica sefardita. Ele foi expulso da escola e levou uma juventude errante pelas ruas do Bronx. Nessa época ele não tinha inclinação alguma para religião. Mas aos 15 anos entrou para a yeshivot (escola de estudos judaicos) local e depois foi para a yeshivot de Jerusalém onde se formou e recebeu a ordenação especial semichá das autoridades rabínicas. Se formou na universidade de Louisville obtendo bacharelado em física em 1961. Lá conheceu sua esposa com quem teve nove filhos. Em seguida estudou na universidade de Maryland obtendo mestrado em física em 1963, trabalhou como pesquisador para o National Bureau of Standards nesse período. A partir de 1965 passou a atuar como rabino em várias sinagogas. Seus últimos anos foram dedicados a escrever e publicar livros tanto sobre religião judaica quanto sobre a mística judaica. Ao todo, Kaplan produziu cerca de 50 livros que foram traduzidos para vários idiomas. Faleceu de um ataque cardíaco. Foto de Kaplan:

   Seu pioneirismo na tradução de antigos e obscuros textos cabalísticos se nota, por exemplo, na sua versão do livro Bahir, ele foi o primeiro a verter essa obra para o inglês, antes dele só haviam versões do Bahir em alemão publicada por Gerson Scholem e as versões hebraicas. Tornar o conhecimento cabalístico mais acessível já é uma ação digna da mais alta consideração especialmente porque ele não teve nenhuma ligação com qualquer escola esotérica muitas das quais ensinam versões próprias de cabala, ele veio do meio judaico e graças a ele os estudantes podem dar um "passo mais além" dos princípios muito rudimentares do ensinamento cabalístico, lá mesmo em suas obras estão as "setas" que apontam para esse ir além. Apesar de tudo, ele certamente não retirou totalmente o véu que cobre a tradição cabalística, mas sem dúvidas esteve envolvido com as práticas mais avançadas pois falava com propriedade sobre elas. Ainda me lembro do impacto que tive ao ter acesso á sua obra "Meditação E Cabalá" ficou aquela impressão de "-Ele não poderia ter exposto tudo isso!" ou "-Eu não teria coragem de tornar tudo isso público!". Não se trata de uma obra apenas sobre meditação cabalística, abrange o modo como os cabalistas fazem uso da meditação, os diferentes métodos, como os principais cabalistas do passado faziam uso da meditação e a meditação nas técnicas de Merkabah (assunto tratado de maneira muito estropiada em vários sites ditos "holísticos" por aí afora, merece uma postagem futura aqui para esclarecer), a própria referência ás notas biográficas, os textos que ele consultou e de onde tirou explicações, é enorme como se vê no final do livro. Assim sendo, essa obra oferece uma visão geral sobre cabala, mesmo aos que não são praticantes e tem intenção apenas de rastrear a história por trás de tais temas é uma das referências mais apropriadas. Sua versão do livro Sefêr Yetsirá merece iguais elogios e louvores, está equipada com uma pesquisa sobre suas origens e como esse texto foi tratado pelos grupos cabalistas do passado além das valiosas notas de comentários que o tornam um texto "vivo" e dinâmico para os que querem se aventurar em praticá-lo. Sua morte precoce levanta suspeitas quanto a verdadeira razão disso, afinal ele deixa saber em suas obras que conhecia muito de Merkabah e é sabido que praticava certas meditações cabalísticas diariamente, aos que conhecem sabem que essa é a mais secreta técnica da cabala e também a mais arriscada, a morte durante essa prática se assemelha a um ataque cardíaco, o que não é demérito algum ao praticante apenas evidencia que ele sondava os mais profundos mistérios divinos. Essa foi minha contribuição para a memória desse erudito e convido a todos a buscarem suas obras.