quinta-feira, 2 de agosto de 2018

O  SÊFER  YETSIRÁ

   Olá a todos! Nesse post vou falar um pouco sobre o mais antigo e também misterioso texto base dos conceitos cabalísticos o "Sêfer Yetsirá" ás vezes grafado como Sêfer Ietsirah (significa "Livro da Formação" ou "Livro da Criação").
   O texto em si é pequeno seja qual for a versão, pois existem várias, e a data em que surgiu e quem o escreveu são desconhecidos. Na verdade se enveredar pelas muitas especulações e lendas que cercam esse livro pode ser um caminho labiríntico e confuso, levando o pesquisador a pistas nem sempre conclusivas, mas, ainda assim constitui uma tarefa tentadora, por vezes mais interessante do que se aprofundar no texto em si e os ensinamentos que ele encerra.
   Seguindo antigas tradições, muitos cabalistas creditam como sendo seu autor o patriarca Abraão e no fim do texto comumente se declara que foi feito por Abraão. Para saber mais sobre os atributos ocultos desse patriarca recomendo aos leitores darem uma olhada em outro post desse mesmo blog intitulado "O CONHECIMENTO INICIÁTICO DE ABRAÃO". Se se considerar Abraão como seu autor então sua data remonta a cerca de 2600 a.C, é uma antiguidade respeitável. Entretanto, as classificações das letras hebraicas presentes no texto e as letras em si são relativamente modernas o que exclui Abraão como seu autor pois esse desconhecia essas letras hebraicas "modernas". Mas pode-se especular que ele tivesse um conhecimento de técnicas semelhantes as descritas nesse livro, e que tal conhecimento pertencesse a outros grupos de ocultistas da época dele. 
   Algumas fontes sugerem que esse livro já fosse conhecido na época em que foi formulado o Talmud, meados do séc. II d.C. e que o texto semelhante as versões atuais tenha sido elaborado por um rabino daquele período (há quem acredite que seu verdadeiro autor seja o rabi Akiva). Existem comentários relativos a esse texto do séc. VI e manuscritos dele datando do séc. X. Sua antiguidade, portanto, é coisa comprovada.
   Como ele circulou por muito tempo apenas como manuscrito, existiram muitas versões dele, algumas até mesmo com conteúdo que não se alinham umas com as outras. Mas atualmente existem quatro versões que são mais levadas em consideração pelos cabalistas são elas: Versão Curta (a mais antiga), Versão Longa, Versão Saadia (denominada dessa forma por ser atribuída da Saadia Gaon 892-943 d.C. um dos líderes da escola rabínica da Babilônia na época) e Versão Gra (essa versão é resultado da edição de Moisés Cordovero conhecido como RAMAC 1522-1570 d.C. que reuniu as melhores versões que teve acesso. Depois tal versão passou pela revisão de Isaac Luria conhecido como ARI 1534-1572 d.C. e por fim passou pela revisão do Gaon de Vilna conhecido como GRA 1720-1797 d.C. por isso essa versão ás vezes é conhecida como versão "Gra-Ari"). 
   Sobre o conteúdo da obra, o Sêfer Yetsirá geralmente tem seis capítulos (exceto a versão Saadia que tem oito capítulos) logo nos primeiros se apresenta vários fundamentos da cabala e menção a séfiras. Há uma alusão a classificação das letras hebraicas em várias categorias e é feita associação delas a certos elementos e astros. Muitos trechos são claramente revisões de assuntos já mencionados em trechos anteriores. Nos últimos trechos há um enfoque a astrologia e menção ao "Teli" cujo verdadeiro significado permanece em aberto permitindo múltiplas interpretações embora as mais aceitas sugiram que se refere a constelação de Draco. O texto em si pode ser confuso para quem se propõe a estudá-lo sem nenhuma orientação. Na verdade o que confere embasamento para o estudante que inclusive queira levar alguma referência do texto para a prática são os comentários dos cabalistas, ter o texto "cru" sem comentários equivale a ter uma arma de fogo sem as balas. A versão que eu mais recomendo é a versão comentada de Aryeh Kaplan (1934-1983) publicada pela editora Sêfer:
   Essa edição apresenta o texto em hebraico da versão GRA e comentários referentes a essa versão além do texto das outras versões Curta, Longa e Saadia. Kaplan apresenta comentários embasados nos textos e ensinamentos mais tradicionais do judaísmo, é uma edição admirável. Quanto ao propósito das técnicas aludidas no texto esses são muitos. Mesmo se o pesquisador quiser consultar versões mais antigas em inglês como as do fim do séc. XVII e XIX encontrará variações assim como também nas muitas versões em hebraico. O ideal é o adepto se apoiar em uma só versão para embasar suas práticas, pois, elas podem induzir a caminhos contraditórios como por exemplo na parte em que se projeta um cubo hipotético com as 22 letras hebraicas ocupando cada uma uma área do cubo, a posição das letras está em locais diferentes nas várias versões. Cada texto do Sêfer Yetsirá é um sistema completo, tentar conciliar as variações das várias versões pode não dar certo e não servir como embasamento, apenas gerar um amontoado de insinuações pseudo-místicas confusas e sem propósito. 
   A prática mais lembrada relacionada a esse texto e também a mais espantosa é relativa a criação do "golem" um tipo de servidor animado criado a partir do barro. Entretanto, todas as fontes dizem que essa não é a principal finalidade do texto, apenas um exemplo de seu uso realizado com sucesso pelo adepto que domina seu conteúdo. Além disso, existem muitas técnicas que fazem paralelo de tal realização sem qualquer relação com o Sêfer Yetsirá. O próprio conceito de golem possui paralelos em muitas outras tradições e não é exclusividade do Sêfer Yetsirá ou da tradição judaica embora o caso mais conhecido de tal feito seja atribuído ao rabino Judá Loew ben Betsalel conhecido como Maharal de Praga (1512-1609). A atribuição da criação do golem pelo Maharal só apareceu registrada em histórias escritas em alemão no séc. XIX e aquele período em que ele viveu era uma época de muito misticismo, Praga na República Tcheca em especial era um centro de esoterismo estando repleta de astrólogos, cabalistas e aspirantes a alquimistas. Demanda outra pesquisa mais aprofundada registrar as menções ao golem na tradição judaica que remontam ao patriarca Abraão e passam pelos grandes rabinos, mas, abordarei esse assunto em outro post futuro. Seja como for, as lendas relativas ao golem caíram no gosto das gerações modernas e ele acabou virando um "ícone pop" presente em muitas obras de ficção modernas, o que também é matéria para próxima postagem.
   Concluíndo, longe de ser um texto com apenas uma finalidade, o Sêfer Yetsirá apresenta muitos princípios cabalísticos e indicação de várias técnicas para se pôr em prática. Algumas dessas técnicas podem ser extremamente complexas como a combinação vocalizada das 22 letras hebraicas combinadas ao Tetragrama e outras que levariam horas para serem concluídas. Tão complexo como esse exemplo é o chamado 231 portões que consiste na visualização das 22 letras dispostas em um círculo para ser visualizado tridimensionamente com as letras de pé e ligando-as entre si por linhas retas. Tais técnicas podem gerar um tremendo potencial, mas, sem orientação e foco tais práticas podem não levar a nada ou causar prejuízo ao praticante. O que o texto oferece são ferramentas e fundamentos que para os adeptos esclarecidos são como verdadeiras dádivas e tratados com grande reverência.   
   

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