domingo, 14 de julho de 2019

MERKABAH: ASCENSÃO  ESPIRITUAL

   Olá a todos! Nesse post vou explicar alguns conceitos sobre a técnica cabalística conhecida como "merkabah".
   Tenho visto em muitos sites de conteúdo dito "holístico" desses que falam sobre "mensagens canalizadas" de "mestres ascensos" e "elevação de frequência" se apresentar a merkabah de uma maneira bastante deturpada. Nesses sites se diz que para fazer uso dessa técnica deve-se visualizar a imagem de dois tetraedros encaixados um apontado para cima e outro apontado para baixo e girando em direções opostas. Não sei se essas informações são propagadas por falta de conhecimento ou se por má fé, mas é pura desinformação! Há até pontos nesses sites que dizem que tem alguma coisa a ver com a estrela de Davi e até com a visão de Ezequiel, isso será explicado adiante.
   O termo "merkabah" significa em hebraico "carro", "veículo" e é muito conveniente pois através dessa técnica a consciência do adepto é transportada para outro plano, muito semelhante a técnica conhecida como "viagem astral" ou "desdobramento". Antes de explicar os detalhes de acordo com fontes judaicas tradicionais, eu gostaria de mencionar trechos de outros textos que dão mostras de "ascensão espiritual".
   Começando pelo livro bíblico de Jó cap.I versículos 6 a 7:

   "Um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio também Satanás entre eles. O Senhor disse-lhe: '-De onde vens tu?'. '-Andei dando volta pelo mundo (disse Satanás) e passeando por ele.'"

   Esse trecho permite várias interpretações que costumam escapar aos menos atentos. Quando o texto diz "filhos de Deus" está se referindo aos anjos, e nesse momento Satanás estava entre eles reunidos. Deus pergunta de onde ele vem e esse responde que dando volta pelo mundo. Considerando-se que a tradição diz que Satanás foi expulso do plano superior como poderia estar ele reunido aos outros anjos na presença de Deus? A explicação é que embora banido, Satanás ainda tinha meios de ascender a esse plano que outrora ele frequentou e ao qual ele pertencia originalmente assim como os outros anjos. Deus elogia Jó e isso acaba trazendo consequências severas para o mesmo submetido a duras provações, sempre que Satanás ascendia novamente até a presença divina Deus lhe dava permissão para enviar outra provação ao justo Jó, mas, a facilidade com que Satanás chegava a esse plano é o ponto que nos interessa. 
   Existe um texto conhecido como "Testamento de Salomão" pseudoepigrafado, ou seja: atribuído a outro, nesse caso a Salomão. Esse texto circulou na forma de manuscrito em grego nos primeiros séculos d.C. pela Europa. Nele, Salomão é posto em contato com outros demônios durante a construção do templo, recebe autorização divina e um anel mágico para dominá-los e os emprega em várias tarefas relacionadas á construção. Nesse texto tem um episódio que nos interessa, na época em que a rainha de Sabá estava visitando Salomão um operário velho se lançou aos pés de Salomão implorando por ajuda. O velho disse a Salomão que tinha um filho rebelde que o insultava constantemente, o agredia e ameaçava de morte. Salomão mandou chamar o filho do velho e exortou os dois a fazerem as pazes, o velho disse que preferia que o filho morresse. Nesse momento, o demônio Ornias que estava ali perto amarrado começou a rir. Salomão ficou irritado e dispensou as pessoas perguntando Ornias porque ele estava rindo. Ornias respondeu que não estava rindo dele, mas do velho que iria lamentar pois seu filho morreria dentro de três dias. Salomão mandou chamar pai e filho e celebrou uma refeição com eles para fazerem as pazes. Ao dispensá-los mandou alguém lhe avisar qual a situação deles dentro de três dias, depois perguntou a Ornias como ele sabia que o filho do velho morreria dentro de três dias. Ornias respondeu que eles os demônios podiam ascender ao céu e ouvir as conversas dos anjos, assim eles sabiam o que iria acontecer na terra com os homens. Cinco dias se passaram e Salomão se esqueceu do caso quando viu aquele mesmo velho com rosto triste e vestes de luto e perguntou á ele a causa daquilo. O velho respondeu que era porque havia três dias que seu filho havia morrido, assim Salomão confirmou que o que Ornias disse era verdade. Vejamos os detalhes reveladores dessa narrativa, primeiro vemos que o demônio Ornias disse que os demônios podiam "voar" aos céus e ouvir as conversas dos anjos sabendo assim o que iria acontecer com os homens. Isso não é nenhuma novidade para quem conhece o Alcorão. No capítulo 72 do Alcorão versículos  8 a 9 lê-se um djinn (entidade espiritual) falando:

   "E tocamos no céu, mas achamo-lo cheio de guardas poderosos e bólides (meteoros).
   E costumávamos nos sentar lá para escutar (as conversas dos anjos). Mas quem escutava encontrava um bólide á espreita."

   No Alcorão anjos vigias costumam serem chamados de "bólides" ou "meteoros", e, embora os djinns costumassem ir até lá espreitar as conversas dos anjos, eles eram perseguidos pelos anjos vigias que os perseguiam para evitar que eles propagassem qualquer informação ouvida. Em outros pontos do Alcorão se fala o mesmo mas não é necessário mencionar. O mais surpreendente no episódio de Salomão é que o demônio Ornias estava acorrentado pelo poder do anel de Salomão a autoridade que lhe fora dada sobre esses seres, e mesmo assim Ornias conseguia ascender aos planos superiores obter informações privilegiadas. A limitação do corpo não impede a ascensão a esses planos. 
   Tendo dito esses exemplos, vejamos o que madame Blavastsky tem a dizer sobre merkabah no volume V de seu livro "A Doutrina Secreta":

   "O rabino Simon Bar Yochai, compilador do Zohar, só oralmente ensinava os pontos mais importantes de sua doutrina, e ainda assim a um número limitado de discípulos. Por isso, sem a iniciação final na merkabah ficará sempre incompleto o estudo da cabala e somente se pode aprender a merkabah 'nas trevas, em um lugar deserto, e depois de muitas e terríveis provas'. Desde a morte daquele grande iniciado judeu, esta doutrina permanece um arcano inviolável para o mundo exterior."

   Nesse ponto Blavatsky enfatiza a dificuldade imposta a quem deseja aprender merkabah e o sigilo como essa técnica tem sido tratada pelos adeptos. Existe um episódio envolvendo merkabah sempre mencionado aos que desejam saber sobre isso, esse episódio envolve o rabino Akiva que viveu no primeiro séc. d.C. muito citado no Talmud e mais três de seus discípulos que quiseram praticar tal técnica. É dito que quatro pessoas entraram no Pomar (ou "Palácios"): Ben Azai, Ben Zoma, o Outro (Elisha Ben Abuia) e rabi Akiva. Ben Azai olhou fixamente e morreu. Ben Zoma olhou fixamente e desequilibrou-se mentalmente. O Outro olhou fixamente e cortou suas plantas (tornou-se herético, apóstata). Rabi Akiva entrou e saiu em paz. Os anjos também desejaram abater rabi Akiva mas o Santíssimo disse: 'Deixai este ancião em paz, pois ele é digno de fazer uso de Minha glória.' Também citado no Bahir esse episódio. 
   O erudito judeu Aryeh Kaplan (vide post anterior) menciona na sua introdução do livro Sêfer Yetsirá que os conhecimentos a respeito do Sêfer Yetsirá e os conhecimentos a respeito da markabah pertenciam a escolas esotéricas diferentes, tanto que frequentemente membros de um grupo não tinham ideia do conhecimento do outro. Ele também diz que Flávio Josefo o historiador judeu menciona que a seita dos essênios (seita que preparou o caminho para a vinda do Messias) eram mestres das artes ocultas e as ensinaram para alguns dos compiladores do Talmud, que faziam uso nomes de anjos e podiam prever o futuro através de purificações e métodos dos profetas. Conhecimento sobre nomes de anjos e o uso prático desses nomes para diversos propósitos é normalmente atribuído aos essênios. O texto no qual os cabalistas se baseiam para a prática da merkabah é os "Grandes Hechalot" ("hechalot" significa "palácios" ou "câmaras"). No livro "Meditação E Cabalá" também de Kaplan ele afirma que para a realização dessa técnica é feito uma repetição 112 vezes de "nomes divinos" e então o adepto cria um "corpo espiritual" é através desse corpo e da coerção aos anjos-chave (em especial Jofiel, "Yofiel") que o adepto se projeta ás câmaras divinas e dependendo da maturidade e do merecimento do mesmo pode frequentar os "palácios", ouvir os mistérios aí ditos e retornar em segurança. Mas a tradição diz que quanto maior as vantagens da técnica, maior a dificuldade de sua execução e perigos. Parcela considerável dos que se envolveram com essa técnica morreram. Em "Meditação E Cabalah" Kaplan cita trechos do Midrash e outros textos onde certos indivíduos se propõe a praticar tal técnica tentando obrigar certos anjos-chave através de juramentos a guiá-los em sua jornada através dos palácios, em certos casos esses anjos se vingam do praticante desgostosos por serem obrigados. Até certos trechos dos Hechalot são transcritos por Kaplan nessa obra. Outro texto semelhante aos Hechalot é o "Livro dos Segredos", já esteve disponível para venda em formato e-book no site do cabalista Yair Alon. 
   Com relação a visão de Ezequiel, Kaplan afirma em vários pontos de seus livros que foi um testemunho do profeta Ezequiel fruto de sua própria visão através da merkabah. Outras teorias mais inusitadas afirmam que na verdade a visão de Ezequiel das "criaturas viventes" e "rodas" girando em várias direções foi de seres alienígenas e suas naves:

   Poderia me estender muito mais na discussão dos textos e referências a essa técnica que são interessantíssimas, mas vou concluir pois aqui a informação deve ser compactada. As vantagens aos que praticam essa técnica são muitas, eles tem acesso a informações privilegiadas. Na biografia do grande cabalista Isaac Luria se diz que ele tinha tanta facilidade na prática da merkabah que ascendia aos planos superiores quando dormia, até mesmo nos cochilos da tarde depois do almoço (chamada popularmente de "siesta") ele ascendia. Por outro lado corre-se o risco sofrer terríveis consequências devido ao mínimo erro cometido. Permanece a merkabah então restrita aos santos e aos sábios.   
           

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