terça-feira, 25 de setembro de 2018

TRADIÇÃO  DE  ESTUDAR  CABALA  EM  GRUPOS

   Olá a todos! Nesse post vou falar um pouco sobre o costume judaico de se estudar cabala em grupos.
   Para quem não sabe, os judeus não estudam a Torá apenas nas sinagogas ou discutem seus textos e significados de forma informal, existem escolas lideradas por rabinos que são focadas em ensinar a Torá, o Talmud (livro de tradições judaicas, é uma coletânea composta de vários volumes abrangendo diversos assuntos relacionados a tradição judaica, considerado o segundo livro mais importante do judaísmo atrás apenas da Torá) e o Midrash (livro focado em explicar o significado de certas passagens da Torá). Essas escolas são chamadas tradicionalmente de "Yeshivá" ou "Beit Midrash". É um tipo de ensino que pode ser comparado a catequese que os católicos estudam e que é ensinado aos judeus antes do "bar mitsvá" e depois. O costume nas yeshivot (plural de yeshivá) é que os alunos estudem em duplas, esse método de ensino é inspirado na passagem da Torá que está no livro de Gênesis cap. 2 versículo 18, veja:

   "O Senhor Deus disse: 'Não é bom que o homem esteja só.(...)'"




   Assim sendo, os dois estudantes se ajudam e se aprofundam nas interpretações relativas a Torá e os outros textos de relevância para a tradição judaica. Para aqueles que estudam com o intuito de receberem a ordenação para se tornarem rabinos, esses devem se aprofundar nesses estudos relativos ao conteúdo e interpretação desses textos, não só a parte religiosa e histórica, como também a parte relativa a legislação judaica que é chamada tradicionalmente de "halachá" ou "halaká" são interpretações específicas sobre o que é permitido e o que é proibido de acordo com o judaísmo. Existem certos rabinos que são mais aprofundados nesse conhecimento, mas, nem todo judeu está totalmente inteirado dos detalhes das leis judaicas. Um paralelo da halachá é a chamada no islamismo de "sharia" que significa em árabe "caminho" e também existem muçulmanos que se aprofundam nessa interpretação das leis de acordo com o Alcorão essa área é chamada de "fiqh" que significa em árabe "jurisprudência". Entretanto, a sharia é absolutamente subjetiva, não existe uma sharia unificada e aceita por todos muçulmanos, certos intérpretes é que dizem por conta própria o que consideram permitido ou não. O estudante judeu que domina todos esses assuntos e os estuda com o fim de se tornar rabino recebe ao se formar a chamada "semichá" que significa "imposição de mãos" e está apto a exercer suas funções de rabino. Vale mencionar que existe uma semichá muito especial que vinha sendo transmitida desde os tempos de Moisés e exige mais estudo e orientação de certos rabinos, essa semichá especial foi concedida ao rabino cabalista Baal Shem Tov (1698-1760) fundador do movimento chassidista. Mas existe uma diferença entre o rabino comum e o rabino denominado "cohen" o "cohen" é um rabino designado especificamente para conduzir os ritos da celebração judaica e na verdade só se considera cohen os que são descentes de Aarão irmão de Moisés, é uma casta sacerdotal específica. Essa palavra "cohen" muito provavelmente foi de onde o pessoal da wicca deve ter tirado a palavra "coven" que é como se designa um grupo dedicado as práticas dessa tradição. Também a maçonaria costuma usar essa palavra para designar rituais específicos como o chamado "eleito cohen". 
   Também na tradição do estudo da cabala que é a vertente esotérica do judaísmo se costuma estimular o adepto a não estudar sozinho, tanto para que ele tenha um parceiro que o ajude, quanto para que ele não se perca em devaneios ou pense que suas práticas estão dando efeitos "delirantes" demais, pois, se outro parceiro constatar os mesmos efeitos, então pode-se ter certeza que os efeitos são verdade e não ilusão. Mas o modo como o mestre cabalista ensina a seus discípulos é único e depende exclusivamente dele. O rabino Abraham Abuláfia (1240-1291) costumava além de escrever muito, ensinar a alguns discípulos que ele achava que mereciam durante suas andanças e os ensinava em diferentes níveis, pois, conhecia aqueles que mereciam receber conhecimentos de um nível superior e aqueles a quem apenas poderia ser dado um conhecimento básico pois não estavam desenvolvidos o bastante.
   O rabino Issac Luria (1534-1572) conhecido como ARI e reconhecido pela maioria como o maior cabalista de todos os tempos não gostava muito de escrever, tanto pelo respeito que tinha pela tradição oral, quanto por acreditar que certas experiências místicas nunca poderiam ser descritas por palavras em livros. Ele costumava apenas dar palestras em determinados momentos a seus discípulos. Após sua morte, seu principal discípulo Chayn Vital (1542-1620) se tornou o centro ao redor de onde orbitavam os outros discípulos do ARI e Vital junto a um grupo seleto de estudantes se comprometeram a estudar os ensinamentos do ARI apenas baseado na interpretação de Vital e a nunca deixar que o textos desse estudo fossem traduzidos para outras línguas ou fossem divulgados ao grande público, mas, um seguidor de Vital chamado Josué se aproveitando da doença dele que o deixava parcialmente cego ofereceu muito dinheiro ao irmão de Vital para ter acesso aos escritos secretos e contratou uma grande equipe de copistas que em pouco tempo produziram centenas de páginas posteriormente publicadas sob o título de "Ezzayin". Resumindo, embora o estudo em grupo seja estimulado pelos cabalistas judeus, cada um tem seu método próprio de ensino aos alunos.

domingo, 16 de setembro de 2018

O  MYNIAN

   Olá a todos! Nesse post vou falar um pouco sobre uma tradição judaica chamada "mynian".
   Um mynian (também grafado de outras formas como "minian" ou "minyan") é um grupo de dez judeus reunidos para certas obrigações religiosas como orações públicas. Geralmente exige-se que sejam homens e que já tenham cumprido o "bar mitzva" (equivalente a "primeira comunhão" dos católicos geralmente os judeus alcançam essa etapa aos 13 ou 15 anos), mas, correntes mais liberais fora do judaísmo ortodoxo concordam que mulheres adultas também podem ser incluídas na mynian. 

   Acontece que a mynian não possui apenas esse caráter "religioso", possui também um caráter "ocultista". Uma dessas facetas ocultistas da mynian é relacionada ao exorcismo. No meu livro "Análise Sobre Mitos e o Oculto" (link á direita do blog) especificamente na parte sobre demonologia eu falei um pouco sobre como é o ritual de exorcismo judaico. O exorcismo judaico tradicional é realizado através da mynian liderada por um rabino mais experiente. O grupo se reúne em torno da vítima possuída, um deles sopra o shofar (sobre o shofar recomendo darem uma olhada no post desse mesmo blog intitulado "O SHOFAR") e depois eles entoam o salmo 91, muito requisitado nas orações tradicionais judaicas de um modo geral. Depois se pergunta ao "espírito" porque ele possuiu a vítima. Pode-se considerar o "espírito" como sendo um (ou mais) demônio(s) ou como sendo um dibbuk (o equivalente a "espírito vagante" na tradição judaica. Talvez tema de um futuro post). 
   Outra conotação ocultista da minyan é relacionada ao ritual conhecido como "pulsa d'nura" (também grafado como "pulsa d'nora" ou "pulsa dinura"). "Pulsa d'nura" significa em aramaico "chicotes de fogo". Esse ritual é antiquíssimo e considerado como "último recurso" na tradição judaica. Os judeus costumam recorrer a esse ritual para exortar os "anjos destruidores" a destruírem alguém que ameaça a nação judaica de um modo geral ou seus interesses. Um caso relativamente recente que foi divulgado na mídia relacionado a isso aconteceu em 2004 quando os rabinos da Ucrânia reuniram a mynian em um cemitério na noite de lua cheia para exortar os "anjos destruidores" a eliminarem o oligarca Judeu Ígor Kolomoiski que patrocinava batalhões da Guarda Nacional ucraniana. É sabido que tal recurso teria sido usado contra o ex-primeiro ministro Isaak Rabin em 1995 que morreu baleado, em 2005 contra Ariel Sharon que sofreu um AVC mas não morreu e Ehud Olmert sucessor de Sharon que foi diagnosticado com câncer de próstata. É sabido que tal ritual teria sido usado contra o papa João Paulo II em 2000 por ele ter declarado apoio a causa dos palestinos. O certo é que há grandes riscos envolvidos nesse ritual, ele só funciona teoricamente se a vítima merecer morrer, senão, toda carga do ritual volta contra os que o praticaram, em linguagem ocultista isso é chamado "choque de retorno" que o ditado popular mais conhecido vulgarizou dizendo "o feitiço se voltou contra o feiticeiro". Mais precisamente sobre os "anjos destruidores" a tradição reconhece como sendo os anjos encarregados por Deus de punir aqueles que merecem, a tradição judaica diz que foram esses anjos que puniram os hebreus que se revoltaram contra Moisés no deserto e também há menção a esse tipo de anjo no Primeiro Livro de Crônicas. 
   A terceira conotação do uso ocultista da mynian que eu queria mencionar é relacionada a wicca vulgarmente chamada "magia da nova era". Na wicca é comum os adeptos (geralmente reunidos em "covens") se reunirem para se concentrarem em determinados objetivos. Esse princípio de se reunir para se focar em um objetivo muito provavelmente foi inspirado na minyan judaica. Naturalmente vários indivíduos reunidos e focados em certo objetivo podem gerar um potencial maior do que um só, afinal eles geram uma "egrégora" maior e mais forte. Essas são algumas conotações ocultistas da mynian.